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sábado, 15 de janeiro de 2011

Liberdade como não dominação - parte XII

5.2 Princípio Republicano; Materialidade e Pretensão de Eternidade


5.2.1 A Questão do Plebiscito de 1993: a Opção do Titular do Poder Constituinte


Em que pese a opinião de GUERRA FILHO (2003), segundo a qual o Princípio Republicano não é Princípio estruturante do estado Brasileiro porque a um, as conquistas históricas a ele inerentes estariam já abarcadas pelo estado de Direito e a dois, porque foi permitido que o Povo – por plebiscito – decidir-se acerca dele, afirma-se aqui que tal se deu porque o Constituinte de 1988, ciente de que apenas representava o Poder Soberano do Povo, não quis tomar decisão que considerava fundamental.
Tanto considerou o republicanismo quando da feitura da Carta Política que inseriu nela, de maneira indelével, a marca das idéias republicanos de não dominação. Pode-se assim dizer que o Povo, no Plebiscito de 1993, ao decidir-se pela República, deu o aval para o contrato firmado pelos seus Representantes. E não há dúvidas de que, após a proclamação dos resultados, conhecendo-se a vontade geral, o Princípio Republicano passou a configurar-se como Princípio Estruturante da República Brasileira. Mais, ganhou pretensões de eternidade, coisa que se verá no próximo tópico.

5.2.2 A Imodificabilidade do Princípio


Com o Plebiscito de 1993, por decisão do Titular do Poder Constituinte, em decisão soberana, o Princípio Republicano tornou-se protegido pela cláusula impeditiva de modificação do Art. 60, §4º CRFB/88. Isto porque se tornou a base para compreender e apreender o texto constitucional de 1988. É certo que aquele rol do §4º é exemplificativo pois não se pode, sem sombra de dúvidas, dizer que o Estado Democrático de Direito – que não consta do referido artigo – não esteja protegido contra qualquer tentativa de modificação de seu conteúdo. E o Princípio em tela se tornou mais imutável ainda porque se revelou não como decisão de representantes, mas como escolha do Titular do Poder.
 A esse respeito, afirma Canotilho (2002, p.224), a República, “além de ser soberana no sentido de comunidade autogovernada e autodeterminada, é ainda soberana ao acolher como título de legitimação a soberania popular”. E, mais adiante, definindo a república como democracia deliberativa, fundada no compromisso dos cidadãos impõe que os mesmos resolvam coletivamente os problemas colocados através de escolhas coletivas surgidas do debate e aceitem como legítimas as instituições políticas conformadas a partir de uma deliberação do Povo, feita em plena liberdade.

5.2.3 A Fundamentalidade do Princípio


A república é soberana porque fundada na soberania popular, esta uma de suas feições. Outra característica fundamental da República é que seja ela uma comunidade constitucional inclusiva (CANOTILHO 2002), num mundo pluralista, em que não mais é possível uma única visão de mundo, mas que abarca diversas escolhas entre aquelas concepções razoáveis de mundo.
O republicanismo fala ainda em liberdades. Não uma só liberdade, apesar de todas estarem incluídas no ideal de liberdade como não-dominação, mas de liberdades várias, conjugando-se a liberdade dos antigos com a liberdade dos modernos, isto é, conjugando a liberdade como participação política na ágora com a liberdade de defesa perante o poder. Ainda uma nota sustenta a fundamental importância do Princípio republicano: a socialidade. O Estado Brasileiro busca, pela igualdade de oportunidades e pela regulação para alcançar o bem comum, tornar-se uma ordem livre marcada pela reciprocidade, igualdade e solidariedade.
Nesses sentidos, pode-se afirmar que as idéias da revolução Francesa, presentes em menor medida na Constituição dos EUA, também são tingidas com as cores fortes da igualdade, da liberdade e da fraternidade. A República Brasileira é, então, azul, branca e vermelha, podendo ser o sonho daqueles que antes lutaram por mais liberdade, e não qualquer liberdade, mas aquela capaz de diminuir a opressão e a dominação.

4.1         A Opção Contra majoritária


O Constituinte optou ainda por mecanismos contra majoritários, impedindo, caso do Art. 60, §4º, ou dificultando a mudança e feitura de leis quando entendeu que elas deviam ser modificadas apenas quando já existisse um certo consenso acerca de sua modificação. Recordou-se aqui da premissa já tão propalada de que uma geração não pode impor à outra as suas leis sem o mínimo diálogo.
Destarte, impôs quoruns qualificados para se fazer uma Emenda a Constituição, impôs quoruns diferenciados para determinadas matérias afetas à Lei Complementar e retirou da incidência dos decretos e regulamentos várias matérias que só puderam ser tratadas a partir de lei. Dessa forma reduziu o constituinte de 1988 a arbitrariedade, tornou a atuação estatal mais previsível e impediu que as maiorias da vez modificassem a toda hora as Leis Básicas da Nação.

5     O Estado de Necessidade Constitucional


Importa ressaltar que aquela visão de que há momentos em que necessário, para se preservar o Estado, que a lei seja aplicada a um membro ou a algum grupo identificável, fugindo à noção de universalidade da lei, estão contempladas no Estado de Defesa Constitucional. Ali, para se preservar o desenho institucional e a vontade expressa pelo Povo quando da feitura da Constituição, estão os remédios aplicáveis pelo Estado, determinados os conteúdos e alcance de aplicação. Destarte, impediu o constituinte que as medidas de exceção ali previstas fossem instrumento de dominação, prestando-se única e exclusivamente à proteção do Estado.



6     Conclusão


Após a análise dos ideais republicanos e da leitura que se deve fazer da Constituição de 1988, insta rematar, definindo-se as conclusões possíveis nesta pesquisa:
ü  A República carrega em seu bojo um ideal de liberdade como não dominação. Diferencia-se do ideal liberal por acreditar na possibilidade de interferência do Estado, desde que positiva e tendente a ampliar os espaços de liberdade; e do Ideal Comunitarista, por não acreditar que seja possível, em uma sociedade pluralista, manter-se um ideal de vida boa centrado na comunidade.
ü  A república se define como linguagem. Não pretende carregar consigo um programa de governo mas, sim, servir como referencial político para a tomada de decisões.
ü  A República possui um ideal de igualdade estrutural, diverso da igualdade formal e da igualdade material, que se realiza na igual possibilidade de oportunidades. Ainda assim, o ideal republicano não impede que o Estado interfira para diminuir a desigualdade material quando esta for de tal monta que implique dominação.
ü  A linguagem republicana se presta a desenvolver matéria de diálogo com os grupos reivindicatórios hoje existentes como, por exemplo, o ambientalismo e o feminismo.
ü  As políticas republicanas reivindicam seu espaço de atuação, como promotoras do ideal de liberdade como não-dominação, nas áreas inerentes ao estado com, v.g., defesa exterior, segurança pública, autonomia individual e distribuição de bens e riquezas.
ü  A república tem consigo o ideal do Império da Lei, em substituição ao Império de homens. Importa dizer que as leis devem ser universais, genéricas e afetar a todos, inclusive àqueles que foram incumbidos de fazê-las.
ü  O republicanismo exige, para que se efetive, que o Poder não esteja concentrado nas mãos de um, de poucos ou de muitos. Para tanto, defende a dispersão de poderes, pela divisão das funções estatais em vários centros de poder, valendo-se do sistema de freios e contrapesos.
ü  O republicanismo exige que haja mecanismos contra majoritários que impeçam ou dificultem a modificação de determinadas leis básicas de uma sociedade. Isto em razão da volatilidade das massas e da possibilidade de que decisões tomadas em momentos de comoção popular não serem as melhores. Também para se impedir que as maiorias imponham seu direito às minorias, causando dominação.
ü  A República se quer uma republica deliberativa, tendente ao debate e, para tanto, exige que a tomada de decisões só se dê após o debate de idéias e a ocorrência de disputa em que todos possam apresentar suas razões para escolha. Exige ainda que os cargos sejam de natureza transitória, necessitando regularmente serem colocados à disposição do Povo para que possa haver rotatividade no Poder.
ü  O Princípio republicano é Princípio Estruturante da República Brasileira, nos termos da Constituição de 1988.
ü  A Constituição de 1988 trouxe em seu bojo todos os ideais e princípios próprios do republicanismo como a igualdade, o império da lei, a moralidade, os controles orçamentários e de gastos, a livre determinação dos povos.
ü  Ao deixar para o Titular do Poder Constituinte o direito de escolha, o Constituinte de 1988 viu que não podia decidir pelos que representava. Destarte, repassou ao Povo a tarefa de escolher que Princípio regeria o Estado Brasileiro.
ü  Após o Plebiscito de 1993, o Princípio Republicano tornou-se – de fato e de direito – Princípio estruturante da República Federativa do Brasil. Como tal está protegido contra toda e qualquer possibilidade de Emenda Constitucional, só podendo deixar de informar o sistema jurídico brasileiro se derrubada a Ordem Constitucional atual.
ü  Dessa forma, o principio republicano tem pretensões de imodificabilidade e de eternidade, conformando o sistema jurídico e concretizando-se na Carta Magna de 1988.
Em suma, há que se reconhecer o locus do princípio republicano e a sua necessidade nestes tempos em que vive a República Brasileira. O ideal de não-dominação, a separação público-privada, as idéias de autonomia e de diálogo plúrimo em uma sociedade multicultural como a Brasileira só encontrarão eco na teoria Republicana. É a hora de que precisa o Estado para a implantação da vertù, a abnegação republicana e a disposição ao sacrifício. É a hora, no estado brasileiro, de viger o Império da Lei, acima das vontades de Homens ou de Partidos. Só assim, o ideal político de justiça, como bem desenhado por Rawls (2000) poderá ser alcançado pelo Povo Brasileiro.
Justitia et Pax Osculatae Sunt (Ps 84).

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