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sábado, 15 de janeiro de 2011

Liberdade como não dominação - parte XI

5.1.2 o Império da Lei – a Virtude da Abnegação


O caput do art. 5º da CRFB/88 c/c o inciso II, ainda implicam o Império da Lei para todos, devendo ser respeitadas inclusive pelos legisladores. O império da lei deve ser interpretado como uma possibilidade de conformação do Estado para ampliar os espaços de não-dominação e também para manter a autodeterminação dos cidadãos, pelo Aufklärung kantiano.
Ademais, é próprio de uma comunidade política (aqui usado o termo impropriamente) que seus partícipes se auto-determinem politicamente, criando e mantendo instituições políticas apropriadas à decisão e participação dos cidadãos.
O inciso II[1] ainda é mais veemente, do ponto de vista republicano, ao traçar os limites da possibilidade de exigência estatal, a lei. Decorrem daí duas premissas: o Estado só pode agir nos limites impostos pela lei, princípio da legalidade; e o cidadão tem sua autonomia restringida pela lei, sendo livre para decidir qualquer coisa, desde que a lei não o obrigue a fazer algo, ou deixar de fazer, para que o Estado incentive a autonomia das vontades e amplie o leque de possibilidades de não-dominação.
Daí decorre o conflito que hoje vige no Brasil, pela fúria legiferante, e a crença ainda vigente de que as leis são remédio para tudo. Assim o furor do legislador permite que haja leis que “peguem e leis que “não peguem”, porque criadas de afogadilho, com confiança extremada de que tudo resolverão. A maximização legislativa, mais que ter como escopo a liberdade, tem como fim a dominação sufocante do Estado, que se arvora em Senhor Absoluto da vida de seus cidadãos. Uma república há que ter poucas e boas leis, deixando que o cidadão se utilize do seu Esclarecimento para viver em sociedade. As poucas leis têm que ter por finalidade o ideal de liberdade como não-dominação e também a certeza do seu cumprimento.

5.1.3 Os princípios da Administração (art. 37, CRFB/88)


O art. 37 da CRFB/88 estipula os princípios que devem reger a Administração Pública, todos de inspiração no ideal de não-dominação próprio do Estado Republicano, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O Estado não dominador, cujo escopo é amplificar a liberdade, deve se ater à legalidade: todo e qualquer ato além dos limites da lei, são atos de dominação; deve ser impessoal, isto é, ao agir não pode direcionar suas forças em benefício de alguém específico, concedendo benesses aos amigos da vez; deve ser carregado da moralidade e do ethos republicano, não podendo se afastar da abnegação no cumprir a lei e do desenho organizacional imposto pela Sociedade quando do Pacto Fundante da mesma. Ademais, deve publicizar seus atos, não fazendo nada à sorrelfa e, quando necessário o sigilo (por exemplo, em defesa exterior ou em caso de segurança nacional), não o pode ser perpetuamente e há que ter mecanismos de controle dos referidos atos. E deve ser eficiente, importa dizer: deve envidar o mínimo de esforços e recursos para atingir o máximo de resultados.

5.1.4 os controles republicanos


A prestação de contas da gestão estatal é uma das condições republicanas. Assim, o Constituinte de 1988 arrolou, em diversos artigos, especialmente o Título IV, que trata da Organização dos Poderes e o Título VI, que trata da Tributação e do Orçamento.
 Os controles republicanos se efetivam, pois, de duas formas: a uma, pelo sistema de freios e contrapesos que impede a uma função estatal solapar as competências da outra; a duas, pelas limitações e exigências no tributar a população, bem como – decorrente da publicidade – a prestação de contas da aplicação dos dinheiros públicos.
A república brasileira impede que os Poderes extrapolem de seus limites constitucionais, o que não impõe que um Poder, determinando a Constituição, não possa exercer função própria a outro. É o caso, v.g., das medidas provisórias que, em caso de relevância e urgência, nas matérias permitidas pela Emenda Constitucional 32, podem ser editadas pelo Chefe do Poder executivo.
Outra forma de controle do Estado, impedindo que ele se arvore em dominador e opressor do Povo, é a dispersão dos poderes. O Constituinte de 88 não só conformou a República Brasileira, mas a fez Federativa, isto é, com dispersão do Poder entre vários núcleos estatais, além daqueles próprios à União. E mais, firmou posição do Município, também ele, como pólo de poder, pertencendo à Federação. Todos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, são autônomos e com competências determinadas, exercendo uns sobre os outros os controles que impedem a dominação de um ente estatal por outro.
No que tange à transparência e publicidade dos gastos governamentais, outra não pode ser a linha adotada que não a de se afirmar, com convicção, de que a Lei de responsabilidade Fiscal é decorrente do Princípio Republicano, a exigir do Agente estatal transparência, eficiência e publicidade das contas estatais.
Outra forma de controle se encontra na disputabilidade do poder. Nenhuma facção ou pessoa pode se arvorar em dona do poder no Brasil. Para tanto, eleições regulares, quando através do debate o povo elege suas escolhas, permitem que a disputabilidade também controle a sanha da dominação. É que o grupo hoje no Poder não pode ter certeza que lá estará após as eleições. Isto faz com que os agentes eleitos façam suas escolhas lembrados de que poderão voltar a ser povo. Ademais, fazem as leis sabendo que elas valem também para eles.


[1] Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

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