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sábado, 15 de janeiro de 2011

Liberdade como não dominação - parte VII


2.5  Pettit e a questão Republicana


Todo esse estudo tem por base o pensamento de Philip Pettit, traduzido em sua obra Republicanismo: Uma teoría sobre la libertad y el gobierno. Assim, interessa expor o que, para Pettit (1999), seria o foco da questão republicana. Por isso, estudaram-se alguns conceitos próprios de Kant e Rawls, já que o pensamento do referido autor neles se embasa para traçar o que seria a proposição de liberdade de um pensamento propriamente republicano. Em vários momentos, ele foi citado como que para desvelar os sentidos ocultos por trás dos esquemas de liberdade e de poder que são necessários como ferramentas para o entendimento do que seja a República. A filosofia republicana de governo – para a qual o papel do estado é promover a não-dominação – deve ser analisada segundo o método rawlsiano do equilíbrio reflexivo. Assim, para Pettit (1999, p. 400):
Ao atender ao que deveria fazer o estado Republicano, a primeira coisa que se deve observar é que o republicanismo oferece ao Estado uma linguagem pluralista capaz de formular os desvios que deverá tratar e retificar: uma linguagem de liberdade, que possibilita ao Estado dar sentido a uma variável quantia de exigências a ele dirigidas (…) a linguagem republicana pode lograr esse nível de pluralidade porque o ideal de liberdade como nao-dominação é intrinsecamente dinâmico: exige que os interesses e as interpretações sejam sistematicamente atendidos pelo Estado, de maneira a deixar espaço para que novos interesses e interpretações obriguem a uma reconsideração das exigências de liberdade.
Existem cinco grandes âmbitos de tomada de decisões – defesa exterior, segurança interna, autonomia pessoal, prosperidade econômica e vida pública – e, em todos esses campos, podemos distinguir as  grandes tarefas impostas pelas exigências da filosofia republicana do estado; porém, as exigências só podem se tornar concretas à luz de informação empírica: o republicanismo é um programa de investigação para a tomada de decisões políticas, não um plano de trabalhado traçado de uma vez por todas[1]. (grifos acrescentados)
Nesse espaço delimitado pelo pensamento de Pettit é que o estudo acerca das possibilidades republicanas no país se focará. Antes de mais nada, é preciso ter consciência de que a tarefa a que se impõe este trabalho é das mais árduas: pretende, a um só tempo, definir o que seja uma teoria do republicanismo e defender que seja a Constituição de 1988 um esboço de políticas públicas com as raízes fincadas no solo dos ideais republicanos.

3 Res publica: a linguagem da liberdade como não-dominação

3.1  A questão da linguagem


O Homem é um ser pensante e, tão certo quanto esta afirmação, um ser falante. Quer-se dizer com isto que o Homem se utiliza da linguagem para se comunicar. Pode-se afirmar que o Ser Humano tem e é linguagem e, como tal, esta é uma criação humana, uma instituição sócio-cultural. Mas também, e com maior força, a linguagem é que torna o Homem um ser social e cultural, ao permitir que ele se comunique com o mundo. Essa simbiose é necessária; o Homem é criador de linguagem, mas ao criá-la, permite-se ser criado por ela enquanto ser político.
É n’A Política que Aristóteles afirma que o Homem se diferencia dos animais porque, enquanto os últimos tem apenas voz (phoné) para exprimir dor e prazer, o primeiro tem a Palavra (Logos) e, com ela, pode exprimir o que é o bem e o mal, o que seja justo e injusto. E mais, ao ser capaz de exprimir tais conceitos, pode o Homem experimentá-los e compartilhá-los em sociedade, tornando-se possível a vida política. Assim, Rousseau (1999, p. 243) explica:
Desde que um homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isto.

Em definição sucinta, e aqui se baseia toada a explicitação da linguagem em Chauí (1994), se poderia dizer que a linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos. Embora, por muito tempo, tenha-se adotado uma forma binária da linguagem, este estudo trabalha com a linguagem em uma dimensão ternária, assim esquematizada:

Sentido ou significação
Significado




Palavra ou Signo ou
Significante
Realidade e instituições
Políticas e sociais
Desse modo, o mundo suscita sentidos e palavras, as significações levam à criação de novas expressões lingüísticas, a linguagem cria novos sentidos e interpreta o mundo de maneiras novas. Há um vai-e-vem contínuo, uma dialética permanente, entre as palavras e as coisas, entre elas e as significações, de tal modo que a realidade, o pensamento e a linguagem são inseparáveis, suscitam uns aos outros e interpretam-se uns aos outros. A linguagem não traduz imagens verbais de origem motora e sensorial, nem apresenta idéias feitas por um pensamento silencioso, mas encarna significações[2].
O que se pretende, aqui, é se utilizar de República com o sentido, ou significado, de liberdade e esta, com o significado de não-dominação. A realidade em que está encarnada determinada sociedade permite através da significação republicana, o diálogo entre realidade e o mundo de significantes e significados próprios da Republica. Para tanto, neste relacionamento, permite novos sentidos, condizentes e dialogantes com os sentidos de República já postos, capacitando à Razão exercer-se por meio de palavras e comunicar-se, usando a dupla face das palavras como criaturas e criadoras de sentido.
Reforce-se que a linguagem republicana é caracterizada pela liberdade humana. Pretende-se uma liberdade esclarecida, no conceito kantiano de Aufklärung[3] capaz de, com e para o Homem, estabelecer as bases da não-dominação. 


[1] Al atender a lo que el estado republicano debería hacer, la primera cosa que hay que observar es que el republicanismo ofrece al estado un lenguaje pluralista en el que formular los agravios que él habrá de tratar e rectificar: un lenguaje de libertad, en el que es posible dar sentido a una variedad de exigencias dirigidas al estado.
El lenguaje republicano puede lograr este grado de pluralismo porque el ideal de la libertad como no-dominación es intrínsecamente dinámico: exige que los intereses y las interpretaciones de la gente sean sistemáticamente atendidas por el estado, de manera que deja espacio para que intereses nuevos e nuevas clarificaciones de las interpretaciones de esos intereses obliguen a una reconsideración de las exigencias de la libertad.
Hay cinco grandes ámbitos de toma de decisiones políticas – que tocan a la defensa exterior, a la protección interior, a la independencia personal, a la prosperidad económica y la vida pública – y, en todos esos ámbitos, podemos discernir las grandes, y a menudo, distintivas líneas de fuerza que dibujan las exigencias de la filosofía republicana del estado; pero las exigencias sólo pueden concretarse a la luz de la información empírica: el republicanismo es un programa de investigación para la toma de decisiones políticas, no un plano de trabajo trazado de una vez por todas. (grifos acrescentados
[2] Não por acaso, a linguagem afeta todo o mundo ocidental, já que suas raízes greco-cristãs dão tamanha importância à Palavra: na Grécia, Logos, tanto significa palavra quanto a Razão Humana capaz de conhecer. O peso da Palavra, e sua comunicação com o mundo, se dá na Bíblia, por exemplo, com a Criação em Gênesis 1, E Deus disse e foi feito, retratando a Palavra como criadora e doadora de sentido. No Evangelho de João, 1, se afirma: “no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus”.
[3] “Esclarecimento”, diz Kant, “significa a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.Sapere aude! Tem a ousadia de fazer uso de teu próprio entendimento – tal é o lema do Esclarecimento /aufklärung/.(...) Para esse esclarecimento, porém, nada mais se exige senão a liberdade. E a mais inofensiva dentre tudo o que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todos os assuntos. KANT (2004, p.145)

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