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sábado, 15 de janeiro de 2011

Liberdade como não dominação - parte VI

2.4 Kant e Rawls: fundamentos de uma República como Liberdade


Para Kant (2004), o Estado de direito é definido como a reunião de homens sob o império das leis, princípios emanados da Razão. Kant define como essenciais os princípios de que o homem é livre enquanto homem; que todos são iguais enquanto súditos da lei e que, não menos importante, cada individuo é autônomo enquanto cidadão. Faltando qualquer desses elementos, não se pode dizer que o Estado seja fruto da Razão humana[1].
Assim BÖCKENFÖRDE (2000, p.127) traduz a concepção pretendida:
Na discussão jurídico-público da atualidade, sem dúvida, o conceito de República é utilizado e definido em um sentido material. A chave desta definição – defendida por Cícero e, mais tarde, acentuada sobretudo por Kant – é a idéia de que o Estado é uma comunidade pública (res publica): nela o domínio não se deve exercer segundo os interesses individuais ou de um grupo, mas em razão do que é melhor para a comunidade.; ademais, a constituição do estado é compreendida como uma ordenação dos cargos públicos através da lei – sobre uma base de igualdade e liberdade dos cidadãos – com tarefas e competências especificamente circunscritas, onde não se exerce um domínio individual e sim se buscam os interesses e objetivos ordenados e a liberdade na vida em comum; finalmente, implica uma forma correspondente de entender o Estado como res publica por parte dos cidadãos (...) se refere, pois, à razão mesma de ser do domínio estatal, ao princípio que conforma seu conteúdo e à sua configuração concreta de acordo com este princípio. Neste conceito de República estão incluídos ou relativizados a forma de estado – elementos do estado de Direito, mas, para além disso, tem a função de estabelecer uma orientação normativa para a finalidade da ação do Estado. (Destaque acrescentado) [2]

Rawls (2000) trabalha com a idéia de dois princípios de justiça: o princípio da prioridade da liberdade, que prescreve que os direitos civis e políticos sejam distribuídos igualmente entre os cidadãos e o princípio da equidade, que só permite desigualdades sociais e econômicas na medida em que estejam adstritas a possibilidades abertas a todos e que sejam em benefício dos menos aquinhoados da sociedade.
A visão rawlsiana se aproxima da idéia de um consentimento, um contrato hipotético, fundado na eleição racional que tem por base o interesse. Rawls (2000) sustenta que os primeiros homens a fazer o contrato, em sua posição originária, são egoístas. Por isso trabalha com a idéia de véu da ignorância, que nada mais é do que o impedimento que têm de conhecer quem são e quais são seus interesses, isto é, em que pontos da pirâmide social estarão. O pressuposto do egoísmo e da ignorância podem assim ser equivalentes a imparcialidade e conhecimento.
A teoria de Rawls, próxima à de Kant, sustenta que um juízo moral é verdadeiro quando deriva de um princípio que seria aceito na posição original, vale dizer, que deriva de um princípio geral, universal, público, final, que seria aceito unicamente em condições de imparcialidade, racionalidade e conhecimento dos direitos relevantes. Para Rawls (2000), o construtivismo político[3] é uma visão relativa à estrutura e conteúdo de uma concepção política. Depois de se obter o equilíbrio reflexivo, os princípios políticos de justiça se apresentam como resultado do procedimento de construção (conteúdo=estrutura). Nesse procedimento – conforme à posição original – os agentes racionais, representando os cidadãos e sujeitos a condições razoáveis, realizam a escolha dos princípios públicos de justiça reguladores da estrutura básica social. Esse procedimento, que demonstraria a síntese dos requisitos relevantes da razão prática, revelando a gênese dos princípios de justiça, está na principiologia da razão prática conjugada com as concepções de sociedade e pessoa, obtidas através do equilíbrio reflexivo, como procedimento. Procedimento este adequado às restrições formais: generalidade, universalidade, publicidade, finalidade. Implica reafirmar; os procedimentos pelos quais os primeiros princípios são eleitos devem estar em conformidade com a razão prática, num caso de justiça processual pura.. E continua afirmando que a importância de uma concepção política construtivista está na relação com o pluralismo razoável e a necessidade democrática de assegurar um consenso sobreposto quanto aos valores políticos fundamentais; todos em conformidade com a razão prática.
Kant e Rawls se aproximam do ideal de liberdade do homem e procuram, com seu pensamento, fornecer bases e critérios para que o Estado seja, sempre mais, um potencializador da liberdade dos cidadãos[4].


[1]É conhecido o postulado de Kant: “o céu estrelado sobre si e a lei moral em si”.
[2]En la discusión jurídico-pública de los últimos años, sin embargo, el concepto de República se utiliza y se define en un sentido material. La clave de esta definición – defendida por Cicerón, y más tarde acentuada sobre todo por Kant – es la idea de que el estado es una comunidad pública (res publica): en ella el dominio no debe ejercerse según los intereses de los individuos o de un determinado grupo, sino en razón de lo que es mejor para la comunidad; además la constitución del Estado se comprende como una ordenación de los cargos públicos a través de la ley – sobre la base de la libertad e igualdad de los ciudadanos – , con tareas y competencias específicamente circunscritas, y en la que no se ejerce un dominio personal sino que se persiguen objetivos en interés del orden y la libertad en la vida en común; finalmente, implica una forma correspondiente de entender el Estado como res publica por parte de los ciudadanos. (…) Se refiere, pues, a la razón de ser misma del dominio del estado, al principio que conforma su contenido y a su configuración concreta de acuerdo con este principio. En este concepto de República están incluidos o relativizados la forma de estado – elementos del Estado de Derecho, pero, más allá de esto, tiene la función de establecer una orientación normativa para la finalidad de la acción del Estado. (Destaque acrescentado).  
[3] Ver, a propósito DWORKIN(2001?)
[4] Interessante ressaltar as distinções que – necessariamente – há que se fazer em relação a Habermas, sem dúvida um dos pensadores mais reconhecidos hoje. Ontologicamente, Rawls entende que a verdade moral se constitui pela satisfação de pressupostos formais inerentes à razão prática de todo individuo, em especial de que um princípio moral é valido se é aceitável ou não rechaçado por todos em condições ideais de imparcialidade, racionalidade e conhecimento dos direitos relevantes; já Habermas tende a crer que a verdade moral se constitui pelo consenso que resulta efetivamente da prática real da discussão moral quando ela é levada a cabo seguindo restrições procedimentais dos argumentos. Epistemologicamente, Rawls tende a crer que ao se chega ao conhecimento da verdade moral mediante a reflexão individual que, empregando o método de equilíbrio reflexivo, determine se ocorre a relação apropriada entre pressupostos formais e princípios substantivos. A discussão com outros é um auxiliar útil da reflexão individual, sendo inescapável que o homem atue de acordo com a lógica da última; já Habermas acredita que a discussão e decisão coletiva é a única via possível de acesso à verdade moral no campo da justiça, já que a reflexão monológica é distorcida. Somente o consenso efetivo obtido após amplo debate com o mínimo de exclusão, manipulação e desigualdades possíveis é um guia confiável para atender às exigências da moral. Claro está que somos adeptos da teoria de Rawls que permite, a um só tempo, evitar-se a ditadura da maioria e o aumento da responsabilidade dos indivíduos pelos caminhos escolhidos pela reflexão individual. A propósito, registre-se o texto de NINO (1988)

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