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sábado, 15 de janeiro de 2011

Liberdade como não dominação - parte X

4.2 Democracia como Disputabilidade


Um governo será democrático, numa perspectiva republicana, se representar que o poder do Estado seja controlado pelo Povo, e na medida em que o Povo, individual ou coletivamente, desfrute da possibilidade de disputar as decisões de governo.
Para que a tomada de decisões seja disputável, exigem-se três pré-condições: 1) que o procedimento para as decisões seja tal que haja uma base potencial para a disputa; 2) que haja um canal por onde possa ocorrer a disputa entre os partícipes; 3) que exista um foro adequado para que ela aconteça e capaz de estruturar a validez e validade das exigências e determinar a resposta adequada.

4     Res Publica e Constituição de 1988: o sonho do Constituinte de uma materialidade da República


Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, problemas surgiram acerca da inclusão ou não do Princípio Republicano como Princípio Estruturante do Estado, isto é, se o referido Princípio se enquadrava na moldura desejada pelo Constituinte Originário. Se se mantiveram incólumes os limites territoriais do País, outro foi o desenho institucional dado pela Constituição acarretando uma reflexão do que seria, em nosso ordenamento, o ethos configurado pela República[1].
O Princípio Republicano é de tal importância que não quis o Constituinte, legítimo representante do Povo Soberano, decidir pelos seus representados. Entretanto, de tal forma a inspiração republicana o inflamou que – mesmo deixando ao Povo a decisão – em momento algum deixou de informar o texto com os sub-princípios decorrentes, nem as características essenciais a uma República deliberativa, fundada no debate de idéias.

5.1 Os Princípios inerentes à República Brasileira


Todos os princípios de que se tratou ao longo deste trabalho estão insertos no corpo da Constituição Brasileira de 1988. sendo a Constituição um sistema aberto de regras e princípios, impende lembrar que o Princípio Republicano é um dos Princípios Estruturantes da Constituição Brasileira. Aqui, em que pese a opinião de Guerra Filho (2003), há que se considerar a tríade de princípios estruturantes tais quais arrolados por Canotilho (2002). Assim, segundo Canotilho, a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, ilumina a compreensão da Constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em sub-princípios e regras constitucionais concretizadores dos mesmos.
Os princípios estruturantes são, pois, constitutivos e indicativos das idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. No dizer de Canotilho (2002, p. 1159) “são as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político”.

4.1.1    A Igualdade, antes estrutural que material ou formal


O art. 5º, caput, da CRFB/88, determina a igualdade de todos perante a lei. Entretanto, há que se considerar tal preceito de igualdade como um preceito de igualdade estrutural[2]. Implica dizer que não pode a República buscar uma igual condição material, todos com os mesmos recursos econômicos, mas com iguais oportunidades de largada.
Ainda assim, cabe à República quando abissais as diferenças entre pobres e ricos, o trabalho de redistribuir bens com o intuito de aumentar a liberdade como não-dominação.
Igualdade, na constituição de 1988, implica ainda igualdade na criação do direito e igualdade na aplicação do direito. Assim, igualdade na aplicação importa em que o Estado, para ser republicano, não pode olhar a quem está atingindo com a lei; ela vale para todos, independentemente de que posição ocupem na cadeia social; igualdade na aplicação do direito importa em que não se façam leis que beneficiem apenas alguns poucos, mas que sejam dotadas de universalidade e impessoalidade.
De mais a mais, o princípio da igualdade implica ainda, não a igualdade na chegada, mas a igualdade de oportunidades, isto é, que todos tenham acesso aos bens primários que a sociedade intui serem necessários, em conformidade com a razão prática, para que o estado se funde, aqui já se aproximando do ideal de igualdade material[3].
Outra função importante do princípio da igualdade, estruturalmente falando, é a igualdade perante os encargos públicos (impostos, taxas, contribuições), que, quando, por questão de justiça social, pesam sobre determinados grupos, devem ser justificados e motivados. Não à toa, o Constituinte inseriu como princípio de tributação a capacidade contributiva, indicando que ninguém pode ser obrigado a arcar com os ônus estatais, se impossível para ele manter-se, ou se inexistente renda que o ajude a suportar tais encargos.
Outra importante missão do princípio de igualdade, conformador do estado Republicano, é a igual possibilidade de acesso aos cargos públicos, nomeadamente os cargos que dependam da eleição popular. Uma sociedade pluralista que se quer republicana deve estender ao máximo a possibilidade de que as pessoas participem ativamente do processo político, votando e sendo capazes de serem votadas. Repare-se que o capítulo dos Direitos Políticos estende a boa parte da população tais capacidades. Ressalte-se que, num contexto republicano, a obrigatoriedade do voto é ainda um princípio baseado na igualdade. Votar se torna um dever cívico, uma obrigação para com o estado e uma limitação ao mesmo estado para que se abstenha de praticar a não-dominação.


[1] Aqui se está já a fazer um corte epistemológico: diversamente do que se pensa, uma coisa é o Princípio Republicano, outra é o regime republicano. Apesar de umbilicalmente ligados, um e outro não são iguais. Se o primeiro informa todo o Direito Pátrio, ao Regime Republicano cabe apenas e tão somente o delineamento do exercício do Poder Estatal, dividido em Funções Executiva, Legislativa e Judiciária.
[2] Ver, a propósito, item 3.2.1 deste trabalho.
[3] A CRFB/88 é carregada desses princípios de igualdade, notadamente o art. 3º, III e IV.

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