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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Republicanismo: A Constituição como ideal de Comunidade.

1. Introdução:

Esse trabalho visa tentar compreender e empreender uma leitura da teoria da Constituição à luza do republicanismo. Certo é que se pode, com alguma certeza, afirmar que há claras distinções entre aqueles que pretendem uma leitura “democrática” das diversas teorias constitucionais e aqueles que pretendem uma leitura “republicana”.
Entretanto, não se pode negar que, em alguns aspectos, ambas as correntes  - “democrática” e “republicana” – convergem para um mesmo lócus de onde se pode debater quais seriam os critérios seguros para se traçar o que seria uma Constituição “boa e querida”.
Num primeiro momento buscar-se-á entender a rivalidade existente entre os democratas e republicanos (ainda que uma rivalidade aparente, como se verá).
Após se buscará uma análise mais aprofundada do tema, empreendendo-se uma leitura republicana da Constituição (aqui não uma constituição real, mas um modelo abstrato que traria um ideal de comunidade, mantido o aspecto de autonomia e liberdade individuais).

2. Democracia X República: a questão do desejo


Há que se confrontar, da Grécia e Roma antigas aos dias de hoje, as diferenças e aproximações entre República e Democracia[1].

Na Grécia antiga, em determinado período, a democracia se assume como o regime da maioria dos cidadãos, capazes de participar da ágora e desejosos de possuir e usufruir vantagens – que até então – eram exclusivos da aristocracia, os “bons” ou “melhores”. Sendo formada e conformada por uma maioria de pobres o risco da democracia é que ela oprima e exproprie os outros. A respeito, elucida-se com o ensinamento de Barker (1978, p.301), explicitando o contexto da República de Platão:
(...) as três outras formas oligarquia, democracia e tirania – estão todas baseadas na supremacia do “apetite”, a qual causa um desequilíbrio, em diferente grau, dos outros componentes da alma. Se há três formas diferentes baseadas no elemento “apetite”, deve haver três formas, ou pelo menos três graus de “apetite” – o que Platão confirma. Devemos distinguir em primeiro lugar os apetites necessários (cuja satisfação é benéfica) dos desnecessários (que não trazem o bem, e às vezes levam ao mal). Na primeira categoria, incluímos os impulsos que nos levam à alimentação e à obtenção de tudo o que é necessário para a vida, de modo geral. Esses impulsos são aquisitivos, e podem ser chamados, em conjunto, de “apetite aquisitivo”. À segunda categoria pertence o apetite pelos alimentos requintados e por todos os luxos; são impulsos que levam ao consumo improfícuo, e podem ser denominados de “apetite de prodigalidade”. Tem-se aqui uma base para distinguir a oligarquia da democracia: a primeira se fundamenta no apetite aquisitivo; a segunda, não só nele, mas também no apetite pródigo. Poder-se-ia fundamentar a tirania exclusivamente no apetite de prodigalidade, mas Platão acha que a natureza peculiar da tirania convida a uma análise mais profunda da composição do apetite; e, no começo do Livro Nono da República, ensina a distinguir entre os apetites naturais ou legítimos e os artificiais ou ilegítimos. Estes últimos (...) são o elemento bestial da alma que se manifesta na tirania, e que a tirania gera. (...) Assim, a oligarquia busca a riqueza até perecer decomposta pela riqueza acumulada; a democracia busca a liberdade até que esta, em excesso, a arruína. (...) a democracia, por exemplo, deriva do desejo de se viver como se quer, livremente; a tirania se baseia nos desejos da carne e no “cupido dominandi” que caracterizam as feras.

Há, além do desejo, um outro sentido a aflorar, a ganância que põe de lado o direito, constituído pela lei. Assim, a tirania, a oligarquia e o que – hoje – se chama deformação da democracia[2], têm em comum a primazia do desejo, ou, na linguagem platônica, dos apetites, sobre a lei e o respeito a ela devidos. Bem conduzida, e esse é um risco inerente ao sistema baseado em maiorias, a massa popular se transforma em joguete nas mãos dos grandes oradores, perdendo de vista a tópica republicana, e tende a crer que a única saída é a expropriação dos ricos e que a política nada mais é que instrumento de espoliação do excedente produzido.

O desejo é então, conforme Ribeiro (2000, p.14), em um primeiro plano, “ganância, em segundo, desejo de bens, em terceiro, a epítome do que é irracional, em quarto, a raiz ou o limite da indecência”.
Nas democracias modernas, o desejo cedeu lugar aos interesses, entendidos os últimos em uma perspectiva econômica, contrapondo-se à virtude, aquela ética da convicção explicitada por Weber e que, desde Maquiavel, é desqualificada como inviável no plano político.

A temática republicana radica, diferentemente da democracia, na renúncia às vantagens privadas em prol da coisa pública. Assim, Montesquieu (1996,33) reafirma que a virtude é o princípio básico da República e que[3]:
Quando cessa essa virtude, a ambição entra nos corações que estão prontos para recebê-la, e a avareza entra em todos. Os desejos mudam de objeto; o que se amava não se ama mais, era-se livre com as leis, quer-se ser livre contra elas; cada cidadão é como um escravo fugido da casa de seu senhor; o que era máxima é chamado rigor; o que era regra chamam-no incomodo; o que era cuidado chamam-no temor. É na frugalidade que se encontra a avareza, não no desejo de possuir. Antes o bem dos particulares formava o tesouro público, mas agora o tesouro público torna-se patrimônio dos particulares.
A questão republicana, que se coloca em destaque, desde o período romano é que aqueles que fazem as leis são os mesmos que devem obedecê-la. Assim Cícero, o grande defensor da República Romana (2004,p. 56):
Quem quiser governar deve analisar estas duas regras de Platão; uma, ter em vista apenas o bem público, sem se preocupar com sua situação pessoal, outra, estender suas preocupações do mesmo modo a todo o Estado, não negligenciando uma parte para atender à outra. Porque quem governa a República é tutor que deve zelar pelo bem de seu pupilo e não o seu [...] Entregar-se inteiramente à Pátria; não deve ter por finalidade o poder e a riqueza, seus cuidados devem ser tanto pela coisa particular como pela geral; nunca chegar a expor quem quer que seja ao ódio público por falsas acusações, e ser tão seguro ao que prescrevem a honradez e a justiça que antes de se afastar deles estará sempre disposto a afrontar as barreiras arriscando a própria vida.

A República se torna um regime de auto-contenção dos desejos, uma virtude de abnegação, em que aqueles que fazem as leis, não as fazem somente para que outros as cumpram, mas também para si mesmos. Deste modo, num regime republicano não vige o império da maioria, mas o império da lei que – a todos - cumpre reverenciar. Numa linguagem psicanalítica, a democracia seria o id, os instintos e desejos mais selvagens e sem controle; o povo seria o ego, sempre duvidoso de qual caminho seguir, necessitando orientação e quase sempre pronto a afogar-se na satisfação do id; e a República seria o superego, o controle moral e virtuoso que é capaz de botar freios nos instintos, tornando os cidadãos mais capazes e dignos de sobrepor os interesses públicos aos particulares[4].

3. O Estado: uma tentativa de interpretação do poder


Segundo Pachukanis[5]:

A relação jurídica não pressupõe por sua natureza um Estado de paz, assim como o comércio originariamente não exclui o roubo a mão armada, mas antes, pelo contrário, utiliza-o. o direito e o arbítrio, esses dois conceitos aparentemente opostos, estão na realidade estreitamente ligados. Isso se dá não somente no período mais antigo do Direito Romano, mas também nos períodos posteriores. (...)
O Estado moderno, no sentido burguês da palavra, surge no momento em que a organização do poder de grupo ou de classe abrange relações mercantis suficientemente extensas. Dese modo, em Roma, o comércio com os estrangeiros, os peregrinos etc. exigia o reconhecimento da capacidade jurídica civil de pessoas que não pertenciam á organização gentílica. Contudo, isso supunha já a separação entre o direito público e o direito privado. (...)
O domínio de classe, seja na sua forma organizada ou inorganizada, tem um ambito bem mais extenso do que o setor que se pode designar como sendo a esfera oficial do domínio do poder de estado. O domínio da burguesia exprime-se tanto na dependência do governo frente aos bancos e aos grupos capitalistas, como na dependência de cada trabalhador particular frente à entidade que o emprega e, por fim, no fato de o pessoal do aparelho do Estado estar intimamente unido à classe dominante.

Talvez explicitando o que seria o modelo de estado desenhado por Pachukanis (o modelo de estado Burguês, que seria aqui o referencial), bom seria a compreensão do modelo por meio das palavras de Lassalle[6]:

Não se deixem confundir ou enganar, tampouco pelo ruído dos que falam de socialismo ou comunismo, e querem ajudá-los em suas reivindicações com discursos baratos. Tenham a firme convicção de que o que querem é confundi-los, ou então não sabem realmente o que dizem. Nada mais distante do chamado socialismo ou comunismo do que esta nossa reivindicação, com a qual as classes operárias preservam a liberdade individual, seu modo de vida individual e a remuneração individual do seu trabalho, e na qual o que muda é a relação com o Estado, que lhes proporciona o capital necessário, ou os empréstimos, para financiar suas cooperativas. Essa é a verdadeira tarefa e o destino do Estado: proporcionar e facilitar os grandes progressos da civilização. Esta é a vocação do estado. Para isso ele existe, para isso sempre serviu e terá de servir.
Quero dar um único exemplo da necessidade de intervenção do Estado, um exemplo dentre centenas que poderiam ser apresentados, como a construção de canais, estradas, correio, telégrafo, linhas de transporte fluvial, agencias de crédito agrícola, melhorias na agricultura, novos ramos industriais, etc. É um exemplo único, muito próximo e muito especial, que vale por cem: quando se ia instalar entre nós a estrada de ferro, o Estado precisou intervir de uma forma ou de outra em todos os Estados da Alemanha, como ocorreu nos outros países, com exceção de algumas linhas locais, incumbindo-se, na maioria das vezes, de garantir os juros das ações – e, em alguns estados, de obrigações ainda maiores.
Essa garantia de juros consistia no seguinte contrato leonino entre o estado e os empresários (ricos acionistas): se as empresas fossem deficitárias, o estado absorveria as suas perdas. (...)
Por quer não se levantaram vozes, naquela oportunidade, contra a garantia de juros, tida como inadmissível intervenção do Estado? Por que não se explicou então que a garantia de juros punha em perigo a capacidade de os empresários se socorrerem a si mesmos? Por que não se desacreditou a garantia estatal de juros, qualificando-a de “socialismo” ou “comunismo”?
Claro, essa intervenção se fazia em favor das classes ricas, por isso era permitida. Sempre foi assim! Mas quando se trata de intervenção em favor das classes necessitadas, quando se trata da esmagadora maioria da sociedade, então surgem acusações de “socialismo” e “comunismo”.

Portanto, seja em Pachukanis, seja em Lassalle, o que se percebe é que, para ambos, de alguma forma, o Estado está vinculado, umbilicalmente, á Classe Burguesa, sendo certo que o Estado (nesses termos) desconsidera aqueles que só têm como produto vendável a mão-de-obra, sem qualquer outro meio de produção sob sua guarda.
Esse estado, nessa visão, não seria portanto um garantidor de liberdades para todos, mas de liberdades e privilégios para alguns. Também aqui essa visão poderia terminar como o estado opressor (ou mesmo como um “estado oprimido” na medida em que se coloca apenas e tão somente a serviço de uma classe dominante, desconsiderando todos os outros, de qualquer outra classe).
Se garantidor de liberdades apenas para alguns, portanto seria um Estado opressor e repressor de liberdades de outros, notadamente os que pertencem à classe proletária.
Nessa perspectiva, o Estado não seria indutor de liberdades, mas garantidor de opressões, sendo o Direito, portanto, um instrumento para a manutenção do status quo.
Outra é a visão republicana que, nesse caso, difere também substancialmente da visão democrática. Isso porque, se levada ao extremo, também a democracia seria uma forma de opressão – não mais da maioria, mas das minorias – o que, desde logo, se reputa indesejado.
O Estado não deve existir senão para assegurar: 1) ampliação de liberdades; 2) proteção às minorias; 3) garantia de igualdade de largada, não de chegada; 4) disputabilidade de poder e, 5) o Império da Lei.
3.1 Ampliação de liberdades
Parte-se do pressuposto da obra de Philip Pettit de que a função do Estado é ampliar a liberdade. Não qualquer liberdade, mas a liberdade como não-dominação.
Aqui se coloca uma primeira distinção entre comunitaristas, liberais e republicanos: a questão da liberdade. Para os liberais, a melhor forma de Estado é aquele que não intervém de maneira alguma na esfera autonômica dos cidadãos. Reconhece o liberal que há momentos que podem exigir a intervenção do Estado, mas isso é visto como fracasso ou falha do sistema. Para os comunitaristas, em regra, qualquer intervenção do Estado na esfera autonômica dos cidadãos e entidades pode ser feita porque mais do que o valor liberdade, prevalece o valor igualdade, bem comum.
Os republicanos (repise-se, na visão de Philip Pettit), ao contrário dos liberais, não aceitam que o estado não possa intervir; entretanto, também ao contrário dos comunitaristas, não podem aceitar qualquer intervenção: só podem ser aceitas, e devem ser queridas, as intervenções que visem reduzir/eliminar qualquer forma de dominação, seja do próprio estado, seja de pessoas ou instituições sobre outras pessoas ou instituições.
3.2. Proteção às minorias
Como se sabe, no mundo de hoje as sociedades são formadas por grupos que têm consensos razoáveis (consensos esses com valor moral) e concepções razoáveis sobre o bom. As possibilidades de agrupamento em função de interesses mútuos (e valores morais possíveis) permite que uma mesma pessoa seja, a depender do assunto que se discute, maioria ou minoria juntamente com o grupo ao qual se vincula.
Isso leva a crer que uma boa república é aquela que sabe conviver com a diversidade, propiciando que as minorias (desde que com consensos razoáveis e valores morais que não colidam com os direitos fundamentais) tenham a efetiva proteção[7].
3.3 Igualdade de largada.
Se os liberais defendem a igualdade formal, isso é a mera presunção de igualdade perante a lei, os comunitaristas tendem a verificar o preceito de larga na chegada. Já os republicanos devem verificar as condições de igualdade na largada, isto é, garantir a todos os direitos básicos e necessários para que os cidadãos possam se desenvolver em liberdade, segundo suas capacidades. Certo é que o Estado pode, em alguns momentos, intervir para garantir a competição e as chances, mas deve, em regra, permitir que os méritos sejam os decisores condicionando os cidadãos às escolhas que fazem.
3.4. Disputabilidade
É condição fundamental que haja disputa pelo poder, com conseqüente renovação e mudança dos que decidem. Para tanto, há que se considerar regularidade dos pleitos; efetiva participação política e garantias aos grupos minoritários para que também eles possa disputar o poder.
3.5. Império da Lei
A república deve permanecer, sempre, submissa à Lei. Uma submissão que garante, a um só tempo, a igualdade de todos e a proteção das minorias. O império da lei presume a capacidade da razão de voluntaria e eficientemente eleger normas que garantam a convivência e a paz social.
4. Crise de representação
Conforme Dominique Leydet[8] três sintomas põem em causa a representatividade dos parlamentos: 1) reivindicação de direitos específicos em favor de minorias; 2) pretensão de grupos oriundos da sociedade civil em representar melhor que os parlamentos a vontade popular e, 3) popularidade de medidas que permitam à população fazer ouvir diretamente a sua voz (referendum, plebiscitos, etc.).
O modelo republicano, então, enquanto experiência típica da Revolução francesa, pode ser assim explicitado[9]:
Eis o que explica a afirmação de Sieyès segundo a qual “o povo, ou a nação, não pode ter senão uma voz, a da legislatura nacional”. assim, mesmo que o povo seja o único detentor do poder constituinte, mesmo que este não seja pensado por Sieyès como inteiramente imerso nos poderes constituídos, mesmo que, conseqüentemente, estejamos quanto a isso nos antípodos a Hobbes, a Assembléia nacional é efetivamente pensada por Sieyès como representante no sentido eminente da nação. Isso implica, em princípio, que não poderia haver aí representação no sentido do termo representação mandato: a Assembleia Nacional não representa interesses particulares. Isso tem como corolário uma ruptura entre o político, como lugar do geral, e a sociedade civil como lugar do particular. A Assembleia Nacional, enquanto representante da nação, no sentido eminente, dispõe de uma legitimidade forte, de uma verdadeira vocação moral: ela é o lugar, o único lugar, onde o interesse comum pode se formar e se dizer.
Assim, em seu grande discurso de 7 de setembro de 1789 sobre os mandatos imperativos, Sieyès considera como ilegítima a pretensão de deputados dos corpos privilegiados de deliberar separadamente do Terceiro Estado, porque para isso teriam recebido mandato de seus eleitores. Um deputado, afirma Sieyès, não poderia ter outro mandato que o desejo nacional; ora, esse desejo nacional não pode se encontrar noutro lugar senão na Assembléia Nacional:
Não é consultando os cadernos particulares, se os há, que ele descobrirá o desejo de seus comitentes. Não se trata aqui de recencear um escrutínio democrático, mas de propor, ouvir, concertar, modificar sua opinião a fim de formar em comum uma vontade comum.
(...)
É claro que essa concepção de representação se explica, em boa parte, pela necessidade, para os homens de 1789, de suprimir antigas lealdades, as antigas fidelidades, a fim de “formar um novo povo”; daí uma ruptura radical com as instituições representativas do Antigo regime. (...) isso exigia que o Estado instituísse essa igualdade destruindo privilégios, colocando fora de jogo as dependências particulares que caracterizavam as relações sociais. (...)

Essa crise da representação vem levando a dois casos extremos, que dificultam a existência de um estado verdadeiramente republicano: uma democracia plebiscitária, em que alguns pensam que o Povo pode, a qualquer tempo e sobre qualquer assunto, deliberar (muitos se utilizam do plebiscitarismo para solapar valores caros aos republicanos como o Estado de Direito e as proteções das garantias e direitos individuais), de outro a uma hipertrofia de grupos paralelos ao Estado, buscando garantir maior legitimidade que o estado para proteção de alguns interesses da coletividade (veja-se por exemplo, as ONG’s ambientais, que desejam, mais do que lutar no Parlamento, interferir diretamente nas decisões do Governo, até mesmo passando por cima da Representação Popular, ou grupos que, a pretexto de defesa de direitos – moradia, terra, etc. – desconsideram não só a Lei e  o Estado, mas mesmo a possibilidade de representação política, fazendo acontecer pelas próprias mãos).

5. conclusão:
Chega-se ao fim do trabalho defendendo-se que o modelo republicano é, ainda, o único apto a poder dialogar com todas as correntes da sociedade, garantindo-se direitos e deveres a todos os cidadãos mas, principalmente, ampliando as margens de liberdade e evitando-se a dominação.
Por certo que muitos dirão que a crise de representação é uma crise típica dos Parlamentos, que não mais são capazes de encarnar a vontade popular. Entretanto, o que se percebe é que há grupos que, voluntaria e premeditadamente, atacam a legitimidade da representação parlamentar com o fim consciente de solapar o estado de Direito, a pretexto de instauração de uma democracia verdadeiramente popular.
O que não se demonstra, por detrás desse discurso, é que nessa democracia suposta também ela tenderá a restringir direitos de minorias, sob o pretexto mesmo da vontade geral.
A republica pressupõe que aqueles que dela participam tenham um sentimento de abnegação, renúncia, que sejam capazes de fazer leis genéricas e abstratas que também eles seguirão.
Mas pressupõe, antes de qualquer coisa, que há um núcleo de proteção intangível às minorias, direitos er garantias que se colocam acima e além de qualquer maioria, por “maior” que seja.
Não por acaso, a Constituição de 1988 apartou de qualquer discussão e modificação (enquanto Lea for a Constituição do País) alguns temas considerados sensíveis, protegendo-os com as cláusulas de imutabilidade e eternidade. Assim, qualquer maioria, por “maior” que seja, não pode, por exemplo, instituir a pena de morte no Brasil ou modificar o regime de mercado, ou suprimir direitos e garantias.
Essa proteção republicana é a que deve permanecer, mesmo que haja uma aparente anomia e crise.


[1] Utiliza-se aqui o pensamento exposto por RIBEIRO (2000), contrapondo-se o desejo ao sacrifício, inerentes o primeiro à democracia, o segundo à República.
[2] Que Aristóteles, nA Política e na Ética a Nicômaco, e Platão, na República e nas Leis, chamam justamente de democracia, caracterizando-a como forma corrompida de poder.
[3] Virtude, aqui, compreendida como vertù, e melhor traduzida como abnegação ou sacrifício.

[4] Lógico que, aqui, não se pretende uma análise profunda da categoria da psicanálise. Entretanto, é perceptível que a linguagem do desejo, aflorada em todo esse capítulo e também a perspectiva do controle, podem ser lidos à luz do pensamento de Freud. Ou ainda, numa perspectiva mais plástica, pela teoria do inconsciente coletivo de Jung.
[5] PACHUKANIS, E.B. Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988, pag. 90 e seg.
[6] LASSALLE, Ferdinand.  Manifesto Operário e outros textos políticos. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1999, pag. 67 e seg.
[7] Melhor exemplo do que seria essa proteção efetiva é a decisão do STF que garante ser a CPI um direito da minoria, bastando que consigam as assinaturas mínimas para que surja o dever do Parlamento em instaurar a investigação.
[8] LEYDET, Dominique. Crise da Representação: o modelo republicano em questão. In: retorno ao republicanismo. CARDOSO, Segio (org.). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, pag. 67.
[9] LEYDET, opus cit.

Um comentário:

  1. Poxa Mestre!!

    Que aula!!! sempre fui republicana! A LEI para todos...

    Por onde anda Cícero????? Nossos representantes deveriam ler as palavras dele!!

    Beijocas

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