Carta Aberta ao Exmo Sr Senador da República Sr. José Sarney
Exmo Sr Senador,
No dia de hoje, ao ler na internet as palavras de V.Exa sobre o suposto absurdo de a Oposição, legitimamente eleita, ingressar no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade, decidi que era hora de me manifestar.
Segundo consta no Blog do Jornalista Noblat, V.Exa disse o que segue:
Na realidade, as questões políticas devem ser resolvidas aqui dentro da Casa. Nós chamarmos o Supremo como terceira via é realmente uma coisa que deforma o regime democrático
Esse absurdo dito pela boca de um Senador da República, que jurou solenemente no dia de sua Posse como Representante do Pacto Federativo defender e zelar pela guarda da Constituição, faz-me crer, claramente, que V.Exa., assim como muitos nesse País, ainda não apreendeu nem compreendeu o que seja Estado Democrático de Direito.
E se compreendeu o que seja o Estado de Direito preconizado pela Carta de 1988, V.Exa., deliberadamente, ataca o âmago da República, tornando-se indigno do assento que ocupa no outrora Honorável Senado Federal.
Digo, por primeiro, que aqui trato V.Exa com todas as dignidades que o cargo exige e a cerimônia determina. O respeito que lhe devo, devo-o ao Senador da República, nunca ao homem José Sarney. Honro o cargo e a dignidade do Parlamento. Mas recuso honrar a Pessoa José Sarney, que se recusa ao bom governo e que mantém sob grilhões da pobreza e da ignorância a população de dois Estados.
Honro o Senador, como manda a Constituição que eu os honre, mas tenho profundo asco pelo Homem e pela família que ainda não aprenderam a respeitar a coisa pública e que tratam os dinheiros públicos e a coisa pública como propriedade sua. Não por acaso, só no Estado do Maranhão, um dos mais pobres da Federação e governado pela Família de V.Exa. como feudo, vários prédios públicos têm o nome da pessoa José Sarney ou de seus familiares, ferindo dispositivo legal e constitucional, principalmente aqueles do art.37 da CRFB/88.
Sr. Senador,
Parto do princípio de que V.Exa sabia do que jurava no dia solene de sua Posse na Camara Alta do País. V.Exa jurou defender e guardar a Constituição da República, aquela Carta que se situa no topo da pirâmide das normas, e que o Presidente Dutra, com carinho sarcástico, chamava de “O Livrinho”.
Pois bem. É a própria Constituição Federal que determina que “todo Poder emana do Povo, que o exerce diretamente ou por meio de seus representantes”. V. Exa, então, apreende daí que nem o Presidente da República, nem os Sr. Senadores, nem os Sr. Deputados detêm por si mesmos o Poder. Esse Poder pertence a um único soberano; O Povo Brasileiro, a mais ninguém. Logo, o Parlamento só é democrático e só é conforme à Constituição se, e somente se, o Parlamento, usando do Poder de Representação outorgado pelo Povo, mantém suas decisões em conformidade estrita com o que prescreve a Carta Magna.
Não é o Sr quem determina o que seja democrático ou não. Mesmo porque lhe falta (novamente me refiro à pessoa e não ao Sr. Senador) o estofo do aprendizado já que submisso à Autoridade do Período de 64, e, ao depois, a qualquer pessoa que ocupasse o “Trono” do Planalto.
Não é o Sr., Sr. Senador, quem deve dizer o que deve ou o que pode fazer a Oposição (repita-se: legitimamente eleita e representando pelo menos 44 milhões de brasileiros, também eles Soberanos, tanto quanto a Maioria e portadores do direito de se verem representados).
Que o Sr., como bem demonstrou a Sessão de ontem, crê que o Regimento é mera folha de papel que pode ser modificada ao sabor das conveniências, saiba que a Constituição Federal não é o regimento do Senado que a maioria manipula como se fora massa de pão.
O Constituinte, sabiamente, (talvez até mesmo porque a Constituinte se reuniu durante o seu mandato de Presidente desconforme à Constituição então vigente) delegou ao Supremo Tribunal Federal a guarda precípua da Constituição. Cada Ministro do Pretório Excelso é, portanto, Guardião do Pacto firmado em 05 de outubro de 1988 (aquele texto que V.Exa., à época, disse que tornaria o País ingovernável, como se já não fosse pelo descalabro do descontrole inflacionário e pela manipulação do Plano Cruzado).
E a própria Constituição, vejam só, determinou que algumas Pessoas teriam legitimidade para ir ao Supremo, Guardião da Constituição, todas as vezes que percebessem que qualquer norma promulgada ou discutida ferisse comando constitucional.
Entre os diversos legitimados, a Constituição, ciente de que um verdadeiro Estado de Direito é garantidor dos direitos das minorias, garante, como legítimo, o direito de qualquer partido com representação no Congresso Nacional questionar a constitucionalidade de uma norma.
Portanto, Sr Senador, chegamos ao ponto: Democrático é o que a Constituição determina que o seja, não o que queira V.Exa. Recordando, por óbvio, a prevalência do Judiciário no Sistema republicano Brasileiro quando insculpido no art. 5º que “a Lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”.
Desse modo, o recurso ao Supremo Tribunal Federal é democrático e é legítimo:
1) Porque a Constituição concede aos Partidos que representem o Povo (por isso a exigência de terem membros eleitos no Parlamento) o poder-dever de ingressar naquela Suprema Corte solicitando seja extirpada do Ordenamento Jurídico qualquer norma que entendam afrontar o Estado de Direito;
2) Porque o Supremo bebe sua legitimidade democrática diretamente da Constituição. Isto é, a Suprema Corte é, por excelência, o instrumento criado para se garantir a Democracia, sendo colocada ao largo de qualquer tentativa de submissão da lei à vontade de uns poucos.
3) Porque o Pretório Excelso haure seu Poder da República, que a todos submete a um único Império: o Império da Lei. Isso implica que também os legisladores, aqueles que fazem a lei, se submetem ao que decidem, não podendo haver qualquer exclusão. Por siso as leis são universais, genéricas e abstratas.
4) Porque uma República que se quer verdadeiramente um Estado de Direito não pode admitir: a) que a maioria impeça a manifestação da minoria; b) que qualquer norma afronte a norma fundamental e primeira.
5) Nosso modelo de controle de Constitucionalidade é claro: qualquer norma que ofenda à constituição, formal ou materialmente, é nula de pleno direito, portadora de doença mortal e incurável, incapaz de produzir efeitos, inexistente. Tanto que a regra é a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, sendo exceção a possibilidade de modulação ex nunc.
Poderia elencar outras razões, mas cito apenas mais uma: O Supremo Tribunal Federal é a Casa que garante por excelência o Estado de Direito porque é a única Casa que pode, mais que pode DEVE, usar de argumentos contramajoritários. Ou seja, a Suprema Corte é a Casa que garante os direitos das Minorias contra a opressão indevida das Maiorias de plantão.
Se quisermos citar Peter Haberle, poderemos dizer que todos os Cidadãos devem ter a possibilidade de interpretar a Constituição, garantindo sua plena conformação, mas que à Corte Suprema, acima de qualquer outro órgão ou Poder, é a única que realmente pode fulminar uma lei com vício de inconstitucionalidade.
Exmo Sr Senador,
A Casa do Senado sempre foi freqüentada pelos mais Dignos Homens e Mulheres da República (e antes, da Monarquia). Homens que sabiam honrar a Camara Alta e que respeitavam a dignidade do Cargo que lhes fora outorgado. Nomes impolutos que souberam ser verdadeiramente republicanos. Dentre eles, o maior entre todos, o Homem que ajudou a construir o arcabouço jurídico da República, o Patrono Senatorial, que enfrentou as armas com o uso do Direito, que usou do Parlamento e das Leis para ampliar espaços de liberdade e dissenso, o Grande Ruy Barbosa. Ao ler o que foi dito por V.Exa, Sr Senador José Sarney, as palavras de Ruy Barbosa não me saem da memória, e é com elas que encerro essa Carta, com a mesma indignação com que Ruy as proferiu:
"A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.
A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade" (RUY BARBOSA, um Republicano)
Ao Sr. Senador, José Sarney, a s honras que são devidas pela dignidade de ser Magistrado da Nação com assento no Senado Federal.
Atenciosamente,
Lamim, não há o que dizer. Não há complementos para o seu texto.
ResponderExcluirÉ um desses que eu gostaria de ter talento para ter escrito. Essencial.
Maravilhoso o texto!!!
ResponderExcluirAplausos!
Assino o que disse a Regina. Digna, corajosa, essencial e pedagógica carta. Daquelas que deveriam estampar página de grandes jornais. Parabéns.
ResponderExcluirIrretocável. Exemplo de ação cidadã. Que a sociedade siga o exemplo aqui exposto e não aceite os "ditos" daqueles que se julgam donos do Brasil. Meus parabéns. Sua carta aberta a Sarney, descreve de forma clara os diretos que a democracia reserva ao povo.
ResponderExcluir"4) Porque uma República que se quer verdadeiramente um Estado de Direito não pode admitir: a) que a maioria impeça a manifestação da minoria; b) que qualquer norma afronte a norma fundamental e primeira."
ResponderExcluirDifícil iMundos entenderem isso.
Mas ainda acho que o PMDB é o último empecilho para a perpetuação do PT em sua mais horrenda face esquerdista, ou melhor, iMunda.
Uma aula de Direito Constitucional, moral e ética, desconhecidos ou ignorados pelo endereçado, a todos. Tomo para mim as palavras de Valet Poison, e sinto-me, de certa forma, mais aliviado em minha ira cidadã. Parabéns e obrigado.
ResponderExcluirO homem sabe escrever, nao ha duvidas. O problema e saber se a mumia consegue ler e entender.
ResponderExcluirPerfeita. Deveria ser publicada no Estadão como manchete e na 1a página. Parabéns pelo artigo que colocou no seu blog e Parabéns ao autor.Que ela não fique confinada às nossas TLs Abs, opcao_zili
ResponderExcluirParabéns, perfeita a sua carta, esse Sr. é o que há de pior na politica brasileira. já está com o prazo de validade expirado há muito.
ResponderExcluirMeus MESTRE,
ResponderExcluirSua Carta deveria ser publicada! Impecável!
Assino onde?
Beijocas
Carla Pola
Parabéns! Também creio que este magnífico texto deveria ser publicado na 1ª página do "Estadão"!
ResponderExcluirDevia ilustrar o hall de acesso ao Congresso Nacional. Um texto definitivo! Não cabe nem comentar; tão-somente aplaudir o autor. Parabéns!
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