DA ESCOLHA DOS MINISTROS DA SUPREMA CORTE NO BRASIL
Uma leitura possível.
Todos os anos, todas vezes que uma cadeira vaga na Composição Plena do Supremo Tribunal Federal, surgem aqui e alhures idéias sobre a necessidade de modificação da escolha dos Ministros.
Umas defendem a eleição por meio do voto popular, outras defendem que as corporações judiciárias elejam listas, outras ainda que seja o Parlamento, que haja mandato etc e tal.
Sempre, porém, pode-se ter como pano de fundo da proposta de mudança um interesse que diverge da concepção republicana. Há um jurista, com livros publicados (que não citarei o nome por que lhe falta o merecimento) que em todas as indicações do Governo Fernando Henrique ia para os jornais se bater contra elas, dizendo que o único jeito era eleição dos Ministros. No Governo Lula esse mesmo jurista não escreveu um só artigo contra as indicações. (Dúvidas sobre as indicações procurem na Plataforma Lattes os currículos de Gilmar Mendes, indicado pelo Governo Fernando Henrique, e de alguém indicado pelo Lula, verão a diferença abissal).
Tenho para mim que o melhor modelo ainda é o que adotamos no Brasil. Indicação pelo Presidente da República com sabatina e submissão do candidato ao Senado Federal. Mais ainda, que o Ministro do Supremo tem sim que ter a vitaliciedade constitucional, não podendo se sujeitar a mandatos.
Como se sabe, todas as Constituições Brasileiras, inclusive a de 1824, trazem a marca de Montesquieu e, portanto, a separação das Funções do Poder, ainda que façam a ressalva da harmonia que deve haver entre elas.
Duas das funções de Poder têm a legitimidade democrática diretamente aferida nas urnas, em eleições regulares, com voto universal: o Executivo e o Legislativo. O primeiro é escolha da Maioria, não cabendo falar em possibilidade das minorias participarem do governo (em democracias sérias as minorias saídas das Eleições Majoritárias do Executivo passam a ser o campo de Oposição, com os instrumentos de combate ao Governo e de garantia dos direitos daqueles que as minorias representam).
No Parlamento convivem as maiorias saídas das Urnas com as Minorias, que são oposição (ou deveriam ser), garantindo-se, pelo voto proporcional, a máxima representatividade do Povo (quanto à discussão sobre proporcional ou não, distrital puro ou não, não é hora de fazê-la).
O Judiciário – entretanto – no modelo brasileiro instituído ainda em 1824, permanece infenso a qualquer interferência das maiorias, pois que não cabe ao Judiciário nem políticas públicas, nem a feitura de leis. Cabe ao Poder Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça de lesão decorrente de descumprimento de leis e tratados.
Por isso, blindou-se o Judiciário contra a manifestação das ruas e mesmo de políticos: juízes e promotores são inamovíveis, vitalícios e não podem ter redução de subsídios.
Essas garantias constitucionais, verdadeiras cláusulas protetivas, dão ao juiz a certeza de que poderá livremente julgar sem que venha a sofrer pressões de qualquer ordem. E são necessárias. Assim, o Juiz, mesmo em uma pequena comarca, poderá condenar o Prefeito, pois sabe que nenhuma força política pode intervir na sua decisão, nem retirá-lo do cargo. E isso garante o sistema de freios e contra-pesos desenhado pela Carta de 1988.
Como e sabe, no Brasil, a jurisdição é uma e nada pode ser afastado da proteção e análise do Judiciário. A Constituição afirma claramente que qualquer lei que vise excluir uma matéria da apreciação de um juiz é inconstitucional.
[grande parênteses] (por isso me espanta alguns advogados dizerem que o STF não pode apreciar a decisão presidencial acerca de Battisti: quem defende essa impossibilidade não leu a Constituição. Todos os atos de poder podem ser analisados pelo Supremo e constam de suas atribuições, inclusive os atos do Presidente da República, mormente porque se esperam dos seus atos que estejam em conformidade com a Constituição, as leis e os Tratados, conforme ele mesmo jura no dia de sua posse).
Sendo jurisdição única, sendo o Judiciário Brasileiro desenhado para garantir direitos e deveres, seja entre particulares, seja entre esses e o Estado, nas relações privadas e públicas, o Constituinte, de modo soberano e lógico, retirou da esfera de influencia do voto tal Poder.
Logo, imune ao sabor das maiorias de plantão o Judiciário pode se mostrar independente das correntes partidárias garantindo a realização da justiça e o cumprimento das leis.
[grande parênteses de novo] (Juízes devem julgar em conformidade com a lei, não com seus sentimentos de justiça, com suas boas intenções ou qualquer outra coisa. Quando partem para esse tipo de julgamento pelo sentimento que têm devem ter a caridade de pedir as contas e se candidatar. Quem define o Justo e o Injusto num Estado de Direito é o Parlamento, único representante da vontade popular).
Por que então o atual modelo de escolha dos ministros do STF é bom? E por que as propostas tem problemas de fundo que podem impedir a Justiça?
Vamos lá. Quando se define que os Magistrados da Corte Constitucional devem ser escolhidos por listas enviadas pelo Judiciário, Ministério Público e OAB, se está garantindo que o Supremo estará engessado pelas visões desses grupos. Um grande Constitucionalista, que tenha preferido seguir carreira acadêmica apenas, e que não pertença a uma dessas corporações com certeza não poderá ser indicado ao STF, trazendo prejuízos à diversidade que lá deve haver.
Mais que isso. O Ministro estará atrelado a uma das Corporações e seus votos passarão a ser lidos a partir delas. Então, toda vez que tiver que julgar um processo do interesse de uma delas, e decidir julgar contra ou a favor, seu voto será considerado retribuição ou traição.
Quanto à possibilidade de eleição popular. Isso obrigara o juiz a identificar-se com uma corrente partidária e não mais julgar com imparcialidade. Sua visão de certo e errado, constitucional ou não, passará a ser balizada pela visão de seus eleitores. Como será eleito pela Maioria, há grandes chances de que as Minorias passem a não ser contempladas e defendidas pela Suprema Corte.
Quanto a mandatos. Há dois inconvenientes nessa opção e nós as exporemos sem medo:
1) Todo ser humano precisa de estabilidade. Ainda mais quando se tem à sua frente processos que mexem com a vida de milhões de pessoas e que pode chegar à casa dos bilhões com alguma facilidade. Toda jurisdição constitucional é conflituosa por sua própria natureza, tanto no controle concreto quanto no abstrato. Juízes com mandato serão, em tese, mais propensos a aceitar pressão pois precisam sobreviver depois de encerrados os mandatos. Há casos em Cortes Européias de juízes de Cortes Supremas que julgaram a favor de grandes corporações e, terminado o prazo do mandato e a carência, tornaram-se consultores e representantes jurídicos daquelas mesmas corporações.
2) A segurança jurídica exige que a Jurisprudência tenha um mínimo de estabilidade. Não pode a Suprema Corte entender em um processo hoje que tal matéria seja constitucional e amanha definir a inconstitucionalidade. Com os Ministros no atual modelo a segurança jurídica já vem sofrendo alguns abalos sérios pela rapidez de mudanças. Imagine por meio de eleição em que em espaços muito curtos a composição do Pleno poderá mudar bruscamente. A insegurança jurídica passará a vigorar em todo o Judiciário pois que a depender da composição do STF “A” passará a ser “B” e “B” passará a ser “A” com muita fluidez, sem que se tenha parâmetros para buscar a decisão correta.
[explicando] No Brasil vigora o duplo modelo de constitucionalidade: o modelo americano, em que todo juiz no caso concreto pode definir a [in]constitucionalidade da lei e o modelo europeu, em que se pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei abstratamente, sem que ela tenha sequer produzido efeitos no mundo da vida.
O problema no Brasil nunca foi o método como os Ministros são escolhidos. Prova-o que todos os Ministros da Corte, até mesmo no período militar, tomaram decisões que contrariaram os Governos que os indicaram.
O problema no Brasil é que um dos poderes se apequenou e não aceita sua função republicana. O Senado Federal, Casa da Federação, (repise-se aqui que Senadores não representam o Povo, mas os Estados, garantidores que são do Pacto Federativo) que deveria apreciar corretamente as indicações do Presidente da República, não faz com seriedade a sua investigação, nem realiza a sabatina com o devido cuidado.
O problema não é, portanto, o modelo de indicação atual, mas a forma como o Senado se submete, sem nenhum constrangimento, às indicações presidenciais.
Tome-se a última sabatina: por mais qualificação que tenha o Ministro FUX, a sua sabatina foi tudo, menos sabatina. Não houve aprofundamento das posições jurídicas, não se investigou os escritos do Magistrado, não se questionou seriamente as posições por ele adotadas, nem sequer o fato de ser tendente ao Fisco. Foi um desnerolar de elogios, como se todo Senador quisesse se transformar em amigo do Magistrado. Houve choro e sentimentos. A única coisa que não houve, durante as quatro horas (apenas quatro horas decidem o lugar de um Ministro da Suprema Corte) foi discussão jurídica séria e profunda.
Alguns até tocaram na questão do Projeto de Código de Processo Civil, coordenado pelo Ministro FUX (não adentrarei o mérito do projeto, que considero ruim e com excessivos poderes para o juiz), esqueceram-se, porém, que um Ministro do Supremo não é um processualista, mas uma pessoa que lida com a questão Constitucional. A matéria de fundo não é, e nunca poderia, ser o direito adjetivo ou formal, mas o direito substantivo ou material.
Desse modo, o que tem que ser revisto e amplificado não é o modelo de escolha, mas a subserviência do Parlamento ao Executivo. Cabe ao Senado, por meio de longas sabatinas, aferir os critérios de escolha do Presidente e se o candidato detém as condições definidas pela Constituição para ocupar o cargo.
O Judiciário só pode julgar de maneira independente se não sofre pressões. E a Suprema Corte precisa se adequar ao que define a maioria, sendo por isso seus membros escolhidos pelo Presidente, mas mantendo certa estabilidade das decisões, pois que a Corte não pode sofrer alterações bruscas de jurisprudência.
A Suprema Corte é a Guardiã da Carta de 88. É função dela impor limites aos demais Poderes. E suas decisões balizam as decisões das Cortes e juízes. Logo, pedimos encarecidamente ao Senado: Usem de suas prerrogativas, ou melhor, exerçam as competências que lhes foram impostas, Senhores Senadores, pela Constituição. Não vos cabe, Senhores, a submissão, mas a análise de cada indicação. Não vos cabe aceitar como cordeiros, mas por meio de processo sério verificar as condições de investidura. Sejam Senhores Senadores, o que a Constituição exige de vós: Guardiães do Pacto federativo, da Unidade Republicana. Lembrai-vos, Senhores Senadores, daqueles que vos precederam. Lembrai-vos de Ruy Barbosa e daqueles que vos elegeram.
P.S.: Esse escrevinhador gostou da indicação do Ministro FUX. Só não gostou da forma submissa como foi sabatinado.
Concordo com tudo, Wagner - em gênero, número e grau.
ResponderExcluirO problema visivelmente está na forma como o Senado vem trabalhando (ou não) suas competências e, certamente, não nas prerrogativas do Judiciário, muito bem colocadas na Carta Magna para prezar o bom funcionamento desse Poder.
Parabéns pelo texto, por conseguir expor e esclarecer, vez por todas, a necessidade da vitaliciedade e da forma das indicações da Corte Constitucional.
Grande abraço ao amigo!
Brilhante como sempre meu mestre!
ResponderExcluirConcordo plenamente!
Beijocas
Esclarecedor como nunca seu texto. Me fez repensar sobre o tema e entender melhor o fundamento da escolha de ministros do Supremo, assim como a ausencia de um Senado que se preste ao que deve ser realmente arguido e questionado.
ResponderExcluirParabéns pela excelente explanação acerca do assunto!
ResponderExcluirConcordo quando o autor diz que "O problema não é... o modelo de indicação atual, mas a forma como o Senado se submete, sem nenhum constrangimento, às indicações presidenciais". Tal subserviência é aviltante. Dá-nos a ideia de que o Senado, ao assim agir, simplesmente está aumentando o número de ministro no STF a serviço do Governo.
Portanto, bastante oportuno o alerta aqui dirigido aos senadores: "Não vos cabe aceitar como cordeiros, mas por meio de processo sério verificar as condições de investidura. Sejam Senhores Senadores, o que a Constituição exige de vós: Guardiães do Pacto federativo, da Unidade Republicana".
@selmabuss
Excelente artigo!
ResponderExcluirSensacional... Assino embaixo...
ResponderExcluirQuero depois fazer uma CONSULTA! kkkkkkkkkkkkkk
Em tempo, devo afirmar a minha total repugnância a CONCURSOS, VITALICIEDADE e ESTABILIDADE.
Sou a favor da produtividade, eficiência e eficácia. Lógico que existem exceções.
Beijos, querido
Artigo esclarecedor. Muito bom! Esse governo do PT é sui generis, eles podem tudo, estão acima do bem e do mal. O presidente Lula desrespeitou acintosamente a lei eleitoral e ficou intocável.
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