Desculpem, mas paixão demais nos impede de escrever descrever o que nos move, o ser amado. Eu não teria, ainda que quisesse, as palavras certas para expressar meu amor pelo Galo. Não saberia separar o que me move e impulsiona daquilo que deveria ser dito. Afinal, um atleticano é, por definição, passional, apaixonado, cego de amor, que segue a ferro e fogo a sábia lição de que "a medida de amar é amar sem medida". Por isso, minha identidade é o Galo. é ele, o time da Massa, quem define o que sou. Por isso, para homenagear meu Time, minha paixão, devo me valer das palavras de outrem. Por isso, porque eu e o Galo não conseguimos nos separar, é que outro é quem deve falar. Assim, segue um texto primoroso sobre o Galo, a melhor maneira de expressar o que sinto:
“A Massa”
* Armando Nogueira
Torcidas, haverá as mais numerosas (Flamengo) ou mais conhecidas por sua grandeza (Corinthians), mas nenhum séqüito futebolístico brasileiro se compara a massa do Clube Atlético Mineiro em mística apaixonada, em anedotário heróico, em poesia acumulada ao longo dos anos. “A Massa”, como é simplesmente conhecida em Minas Gerais, compartilha com a torcida corintiana (”A Fiel”) a honra de deixar-se conhecer com um substantivo ou adjetivo comum transformado em nome próprio, inconfundível. A Fiel, A Massa: poucas outras torcidas terão realizado tal operação de mutação de um nome comum em nome próprio. No caso do atleticano, a alma do time não é senão a alma da torcida.
Toda a mística da camisa, das vitórias sobre times tecnicamente superiores (e também das derrotas trágicas e traumáticas), emana da épica, das legendárias histórias que nutre sua apaixonada torcida: nem o Urubu, nem o Porco, nem o Peixe, nem a Raposa, nem o Leão, nem nenhum animal mascote se confunde com o nome do time, com sua identidade, com sua alma mesma, como o Galo com o Atlético Mineiro. Nenhum outro time é conhecido por tantas vitórias improváveis só conquistadas porque a massa empurrou. ”Quem possui uma torcida como esta, é praticamente impossível de ser derrotado em casa” (Telê Santana). Pelos ídolos de 69 ou 70, o timaço do Cruzeiro já tetra ou pentacampeão entrava em campo mais uma vez e parecia que de novo ia humilhar o Atlético. Mesmo naquele clássico durante vacas tão magras, a massa atleticana era, como sempre foi, maioria no Mineirão.
Impotente, ela viu Dirceu Lopes abrir o placar e o time do Cruzeiro massacrar o Galo durante 45 minutos. No intervalo, a massa que cantava o hino do Atlético foi inflamada por um recado de Dadá Maravilha pelo rádio: “Carro não anda sem combustível.” A fanática multidão encheu-se de brios, fez barulho como nunca, entoou o grito de guerra, encurralou sonoramente a torcida cruzeirense, e o time do Atlético – infinitamente inferior, liderado pelo artilheiro Dario e pelo seu grande goleiro (como é da tradição atleticana) Mazurkiewcz – virou o placar para 2 x 1 sobre o escrete azul, e abriu caminho para a reconquista da hegemonia em Minas, selada com o título estadual de 70 e o Brasileiro de 71. Nenhum dos jogadores atleticanos presentes nessa vitória jamais se esqueceu da energia que emanava das arquibancadas, e que literalmente ganhou o jogo.
Se houver uma camisa alvinegra pendurada no varal num dia de tempestade, o atleticano torce contra o vento.” O achado do cronista Roberto Drummond resume a mitologia do Galo : contra fenômenos naturais, contra todas as possibilidades, contra forças maiores, a torcida atleticana passa por radical metamorfose e se supera. Superou-se tantas vezes que já não duvida de nada, e cada superação reforça ainda mais a mística, como uma bola de neve da paixão futebolística. Nenhum atleticano hesitaria em apostar na capacidade da Massa de transformar o impossível em possível a qualquer momento, de fazer parar aquela tempestade que açoita o pavilhão alvinegro deixado solitário no varal.
Não surpreende, então, o sucesso que tiveram os jogadores uruguaios que atuaram no Atlético Mineiro, do grande Mazurkiewcz ao maior lateral-esquerdo da história do clube, Cincunegui. Se há uma mística de garra e amor à camisa que se compara à atleticana, é a da celeste, não mineira, mas uruguaia. Só à seleção uruguaia a pura paixão por um nome e um símbolo levou a tantas vitórias inacreditáveis, improváveis, espíritas, ou puramente heróicas.
Ao contrário das torcidas conhecidas por sua origem étnica (Palmeiras Cruzeiro, Vasco), por sua origem social (Flamengo, Fluminense, Grêmio, São Paulo), ou por seu crescimento a partir de uma grande fase do time (Santos, Cruzeiro), qualquer menção da torcida do Atlético Mineiro evoca, invariavelmente, a substância mesma que constitui o torcer. O amor ao time na vitória e na derrota, o apoio incondicional, a garra, a crença de que sempre é possível virar um resultado.
* Armando Nogueira, foi um dos maiores jornalistas do Brasil, criador do “Jornal Nacional”, dentre tantas heranças positivas que deixou para a comunicação brasileira.
Era acreano, de Xapuri, morreu no Rio de Janeiro, aos 83 anos, de câncer no cérebro, no dia 29 de março do ano passado.