Poemetos

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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Casa de Ruy Barbosa

Alguém, em sã consciência, acreditaria que Emir Sader é digno de proteger o patrimônio moral e intelectual de um Homem que disse as palavras abaixo no Senado Federal? Alguém - honestamente intelectual - poderia permitir que um Emir Sader pudesse sequer chegar perto do patrimônio moral que foi construído pelo Imortal Ruy Barbosa?
Pois ele foi indicado pelo Ministério da Cultura e em breve, provavelmente, veremos a Casa de Ruy Barbosa contagiada pela infantilidade intelectual. 
Enquanto isso não acontece, saboreemos o Credo ditado por Ruy, nos salões senatoriais, hoje tão carentes de Grandes Homens, que sequer se aproximam da estatura do seu Patrono.


CREDO POLÍTICO[1]
Ruy Barbosa
MEU PAÍS CONHECE O MEU CREDO POLÍTICO, PORQUE O MEU credo político está na minha
vida inteira. Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regímen, não há poderes soberanos, e soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de paixão desordenada; creio que a República decai, porque se deixou estragar confiando-se ao regímen da força; creio que a Federação perecerá, se continuar a não saber acatar e elevar a justiça; porque da justiça nasce a confiança, da confiança a tranqüilidade, da tranqüilidade o trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade, a duração, o vigor; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública; creio na tribuna sem fúrias e na imprensa sem restrições, porque creio no poder da razão e da verdade; creio na e na tolerância, no progresso e na tradição, no respeito e na disciplina, na impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das capacidades.
Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todo o gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e, quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do País nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbaria ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade.


[1] "Resposta a César Zama". Discurso no Senado Federal em 13 de outubro de 1896. Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XXIII, 1896, tomo V, p. 37-38. Fundação Casa de Rui Barbosa
www.casaruibarbosa.gov.br

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Combatendo a "Ingnoranssa" petralha

Como se sabe, os petralhas têm um modus operandi clássico, usado quando ainda eram Oposição e que continuam a usar estando Governo. Eles mentem e repetem a mentira até que todos os incautos acabem por acreditar piamente que aquela mentira é realmente a verdade.
Foi assim que Lula transformou a benção da estabilidade econômica herdada do Governo FHC em herança maldita e o mensalão em mero erro de contabilidade.
Foi assim que Dona Dilma acabou por dizer que era Cristã e contra o Aborto, mesmo diante das provas definitivas de que não era nem uma coisa nem outra.
Agora, quando tentam rasgar a Constituição, quando submeteram o Congresso Nacional e violaram o Pacto de 1988, determinando que o salário mínimo passe a ser fixado por decreto, tentam mais uma vez enveredar pela mentira e pelo engano, dizendo, por exemplo, que o Senador Aécio Neves e o Governador Anastasia usaram do mesmo método.
Mentem porque em Minas, assim como no Brasil, os Governos, com permissão da Constituição, podem se valer de lei Delegada.
Mentem quando dizem que Lei Delegada precisa de relevância e urgência. Não precisa, os requisitos de relevância e urgência são típicos e próprios da Medida Provisória.
Mentem quando querem fazer alhos se parecerem com bugalhos. Decreto é uma coisa, Lei delgada, bem outra.
O artigo 68 da Constituição Federal, mantido por simetria na Constituição Estadual de Minas, reza que:

Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

Logo, a Lei Delegada necessita que o Chefe do Executivo a solicite ao Congresso Nacional (ou o Chefe do Executivo Local à Assembléia), com os termos, período certo e a sua utilidade.
Ao depois, Leis Delegadas não podem versar sobre matéria de competência exclusiva do Legislativo. Isto é, o Legislativo não pode, de forma alguma, delegar o que a Constituição lhe determinou como indeclinável.
Ainda, a Lei Delegada exige que o Legislativo, ao aceitar delegar, determine por Resolução os exatos termos tanto do conteúdo como de prazo.
Já o Decreto do salário mínimo é inconstitucional e em nada se assemelha à Lei Delegada. Primeiro porque o salário mínimo deve ser fixado em LEI, e é matéria indelegável. Segundo, porque Decretos não se prestam a ser normas primárias, sendo apenas e tão somente norma secundária, que executa comando legal e deve ter conteúdo concreto.
Assim se define decreto no Manual de Redação da Presidência da República:

Decretos são atos administrativos da competência exclusiva do Chefe do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso ou implícito, na lei. Esta é a definição clássica, a qual, no entanto, é inaplicável aos decretos autônomos, tratados adiante. (...) Com a Emenda Constitucional no 32, de 11 de setembro de 2001, introduziu-se no ordenamento pátrio ato normativo conhecido doutrinariamente como decreto autônomo, i. é., decreto que decorre diretamente da Constituição,possuindo efeitos análogos ao de uma lei ordinária.
Tal espécie normativa, contudo, limita-se às hipóteses de organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e de extinção de funções ou cargos públicos, quando vago (art. 84, VI, da Constituição).

Basta isso para que se garanta que o argumento petralha não se sustenta.
É isso. Para combater as trevas e a "ingnoranssa" petralha é necessário lançar luzes e expor nua e crua a verdade.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Carta ao Senador Sarney



Carta Aberta ao Exmo Sr Senador da República Sr. José Sarney

Exmo Sr Senador,

No dia de hoje, ao ler na internet as palavras de V.Exa sobre o suposto absurdo de a Oposição, legitimamente eleita, ingressar no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade, decidi que era hora de me manifestar.
Segundo consta no Blog do Jornalista Noblat, V.Exa disse o que segue:
Na realidade, as questões políticas devem ser resolvidas aqui dentro da Casa. Nós chamarmos o Supremo como terceira via é realmente uma coisa que deforma o regime democrático
Esse absurdo dito pela boca de um Senador da República, que jurou solenemente no dia de sua Posse como Representante do Pacto Federativo defender e zelar pela guarda da Constituição, faz-me crer, claramente, que V.Exa., assim como muitos nesse País, ainda não apreendeu nem compreendeu o que seja Estado Democrático de Direito.
E se compreendeu o que seja o Estado de Direito preconizado pela Carta de 1988, V.Exa., deliberadamente, ataca o âmago da República, tornando-se indigno do assento que ocupa no outrora Honorável Senado Federal.
Digo, por primeiro, que aqui trato V.Exa com todas as dignidades que o cargo exige e a cerimônia determina. O respeito que lhe devo, devo-o ao Senador da República, nunca ao homem José Sarney. Honro o cargo e a dignidade do Parlamento. Mas recuso honrar a Pessoa José Sarney, que se recusa ao bom governo e que mantém sob grilhões da pobreza e da ignorância a população de dois Estados.
Honro o Senador, como manda a Constituição que eu os honre, mas tenho profundo asco pelo Homem e pela família que ainda não aprenderam a respeitar a coisa pública e que tratam os dinheiros públicos e a coisa pública como propriedade sua. Não por acaso, só no Estado do Maranhão, um dos mais pobres da Federação e governado pela Família de V.Exa. como feudo, vários prédios públicos têm o nome da pessoa José Sarney ou de seus familiares, ferindo dispositivo legal e constitucional, principalmente aqueles do art.37 da CRFB/88.
Sr. Senador,
Parto do princípio de que V.Exa sabia do que jurava no dia solene de sua Posse na Camara Alta do País. V.Exa jurou defender e guardar a Constituição da República, aquela Carta que se situa no topo da pirâmide das normas, e que o Presidente Dutra, com carinho sarcástico, chamava de “O Livrinho”.
Pois bem. É a própria Constituição Federal que determina que “todo Poder emana do Povo, que o exerce diretamente ou por meio de seus representantes”. V. Exa, então, apreende daí que nem o Presidente da República, nem os Sr. Senadores, nem os Sr. Deputados detêm por si mesmos o Poder. Esse Poder pertence a um único soberano; O Povo Brasileiro, a mais ninguém. Logo, o Parlamento só é democrático e só é conforme à Constituição se, e somente se, o Parlamento, usando do Poder de Representação outorgado pelo Povo, mantém suas decisões em conformidade estrita com o que prescreve a Carta Magna.
Não é o Sr quem determina o que seja democrático ou não. Mesmo porque lhe falta (novamente me refiro à pessoa e não ao Sr. Senador) o estofo do aprendizado já que submisso à Autoridade do Período de 64, e, ao depois, a qualquer pessoa que ocupasse o “Trono” do Planalto.
Não é o Sr., Sr. Senador, quem deve dizer o que deve ou o que pode fazer a Oposição (repita-se: legitimamente eleita e representando pelo menos 44 milhões de brasileiros, também eles Soberanos, tanto quanto a Maioria e portadores do direito de se verem representados).
Que o Sr., como bem demonstrou a Sessão de ontem, crê que o Regimento é mera folha de papel que pode ser modificada ao sabor das conveniências, saiba que a Constituição Federal não é o regimento do Senado que a maioria manipula como se fora massa de pão.
O Constituinte, sabiamente, (talvez até mesmo porque a Constituinte se reuniu durante o seu mandato de Presidente desconforme à Constituição então vigente) delegou ao Supremo Tribunal Federal a guarda precípua da Constituição. Cada Ministro do Pretório Excelso é, portanto, Guardião do Pacto firmado em 05 de outubro de 1988 (aquele texto que V.Exa., à época, disse que tornaria o País ingovernável, como se já não fosse pelo descalabro do descontrole inflacionário e pela manipulação do Plano Cruzado).
E a própria Constituição, vejam só, determinou que algumas Pessoas teriam legitimidade para ir ao Supremo, Guardião da Constituição, todas as vezes que percebessem que qualquer norma promulgada ou discutida ferisse comando constitucional.
Entre os diversos legitimados, a Constituição, ciente de que um verdadeiro Estado de Direito é garantidor dos direitos das minorias, garante, como legítimo, o direito de qualquer partido com representação no Congresso Nacional questionar a constitucionalidade de uma norma.
Portanto, Sr Senador, chegamos ao ponto: Democrático é o que a Constituição determina que  o seja, não o que queira V.Exa. Recordando, por óbvio, a prevalência do Judiciário no Sistema republicano Brasileiro quando insculpido no art. 5º que “a Lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”.
Desse modo, o recurso ao Supremo Tribunal Federal é democrático e é legítimo:
1)  Porque a Constituição concede aos Partidos que representem o Povo (por isso a exigência de terem membros eleitos no Parlamento) o poder-dever de ingressar naquela Suprema Corte solicitando seja extirpada do Ordenamento Jurídico qualquer norma que entendam afrontar o Estado de Direito;
2)  Porque o Supremo bebe sua legitimidade democrática diretamente da Constituição. Isto é, a Suprema Corte é, por excelência, o instrumento criado para se garantir a Democracia, sendo colocada ao largo de qualquer tentativa de submissão da lei à vontade de uns poucos.
3)  Porque o Pretório Excelso haure seu Poder da República, que a todos submete a um único Império: o Império da Lei. Isso implica que também os legisladores, aqueles que fazem a lei, se submetem ao que decidem, não podendo haver qualquer exclusão. Por siso as leis são universais, genéricas e abstratas.
4)  Porque uma República que se quer verdadeiramente um Estado de Direito não pode admitir: a) que a maioria impeça a manifestação da minoria; b) que qualquer norma afronte a norma fundamental e primeira.
5)  Nosso modelo de controle de Constitucionalidade é claro: qualquer norma que ofenda à constituição, formal ou materialmente, é nula de pleno direito, portadora de doença mortal e incurável, incapaz de produzir efeitos, inexistente. Tanto que a regra é a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, sendo exceção a possibilidade de modulação ex nunc.
Poderia elencar outras razões, mas cito apenas mais uma: O Supremo Tribunal Federal é a Casa que garante por excelência o Estado de Direito porque é a única Casa que pode, mais que pode DEVE, usar de argumentos contramajoritários. Ou seja, a Suprema Corte é a Casa que garante os direitos das Minorias contra a opressão indevida das Maiorias de plantão.
Se quisermos citar Peter Haberle, poderemos dizer que todos os Cidadãos devem ter a possibilidade de interpretar a Constituição, garantindo sua plena conformação, mas que à Corte Suprema, acima de qualquer outro órgão ou Poder, é a única que realmente pode fulminar uma lei com vício de inconstitucionalidade.
Exmo Sr Senador,
A Casa do Senado sempre foi freqüentada pelos mais Dignos Homens e Mulheres da República (e antes, da Monarquia). Homens que sabiam honrar a Camara Alta e que respeitavam a dignidade do Cargo que lhes fora outorgado. Nomes impolutos que souberam ser verdadeiramente republicanos. Dentre eles, o maior entre todos, o Homem que ajudou a construir o arcabouço jurídico da República, o Patrono Senatorial, que enfrentou as armas com o uso do Direito, que usou do Parlamento e das Leis para ampliar espaços de liberdade e dissenso, o Grande Ruy Barbosa. Ao ler o que foi dito por V.Exa, Sr Senador José Sarney, as palavras de Ruy Barbosa não me saem da memória, e é com elas que encerro essa Carta, com a mesma indignação com que Ruy as proferiu:
"A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.
A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade" (RUY BARBOSA, um Republicano)
Ao Sr. Senador, José Sarney, a s honras que são devidas pela dignidade de ser Magistrado da Nação com assento no Senado Federal.
Atenciosamente,

sábado, 19 de fevereiro de 2011

IMPÉRIO DA LEI

Vale a pena ler esse texto sobre o Império da Lei e a Crise da Lei nos dias de hoje. Rebate muitas das críticas que se faz a um processo legislativo supostamente moroso.

A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O SALÁRIO MÍNIMO

A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O SALÁRIO MÍNIMO
A INDELEGABILIDADE DO DEVER DE LEGISLAR COMO REGRA.
O Processo Legislativo, que tem sua origem e fonte na Constituição, é o modo como se faz surgir no mundo jurídico uma inovação. Por certo, quando aqui se fala do processo legislativo se está falando da constituição de lei no sentido formal e material.
Medidas Provisórias, por exemplo, são leis em sentido material, mas não o são em sentido formal. Só passam a ser leis em sentido formal quando convertidas (aprovadas) pelo Congresso Nacional.
E há, no ordenamento jurídico, diversas leis que formalmente são diversas do que a Constituição de 1988 determinou como sua materialidade. Exemplo disso é o Código Tributário Nacional que, formalmente, é Lei Ordinária (já que aprovado antes da Constituição de 1988, quando então se exigia apenas Lei Ordinária para a matéria) mas materialmente é Lei Complementar, por força da nova constituição. Desse modo, quanto à modificação do CTN, em que pese ser ele editado como Lei Ordinária, só pode ser modificado por Lei Complementar.
Feita essa breve introdução, há que se lembrar que, na verdade, só existe um único Poder, exercido pelo Povo ou por seus representantes. Esse Poder, na teoria clássica, se divide em Funções: a Executiva, a legislativa e a Judiciária. Não quer isso dizer porém que cada Função do Poder (ou cada Poder, como comumente citado) só possa exercer aquelas funções que lhe são típicas. Não. O Executivo, cuja função é preponderantemente administrativo-executória, pode, atipicamente, legislar (caso das MPs e das leis Delegadas, v.g.)e também julgar (os Processos Administrativos Disciplinares são um bom exemplo dessa função judicante). Também o Judiciário pratica atos legislativos e administrativos atipicamente e o Poder Legislativo, atos executivo-administrativos e judicantes (Impedimento e cassação).
Entretanto, há uma diferença: para exercer funções diversas da Função típica, é preciso que a Constituição: 1) permita a prática de tais atos, ou, permita delegação do ato.
O projeto de lei apresentado pela Sra. Presidente da República, em cumprimento ao artigo 7º da Constituição, para majoração do salário mínimo trouxe um jabuti na árvore, ao afirmar que até 2014 a Sra. Presidente, por simples Decreto, poderá majorar o salário mínimo respeitada a fórmula constante do projeto.
Cumpre aqui examinar se essa “delegação” parlamentar é permitida.
Em primeira análise, cumpre esclarecer que não.
O art 7º é claro ao afirmar que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; 

Como se vê do texto, o valor do salário mínimo deve ser fixado em lei e com valor unificado nacionalmente. O texto não fala em critérios para fixação do valor, mas na própria fixação do valor, e o problema poderia se resolver pela reles interpretação gramatical. Logo, pela mera leitura do texto já se poderia inferir a inconstitucionalidade da delegação da fixação do valor por decreto.
É que a Constituição não tem palavras vãs. É o salário quem deve ser ficado por lei, não os critérios para sua fixação.
Mas continuemos, por mero amor ao debate.
O Presidente da República tem matérias a ele reservadas para iniciativa. Isto é, somente o presidente pode iniciar o Processo legislativo. Aqui não se cuida de delegação legislativa, mas do Poder que se dá ao executivo de, em determinadas matérias, ser o único que pode iniciar a discussão, submetendo-se o Projeto de Lei ao Congresso Nacional.
Mas há matérias em que o Presidente, por expressa decisão da Constituição, pode legislar com leis materiais, que só serão formalmente leis se aprovadas pelo Congresso. São as Medidas Provisórias.
E há as matérias que o Congresso Nacional pode delegar a competência legislativa para o Presidente da República, por meio de resolução, definidos expressamente os limites da Delegação. São as chamadas Leis Delegadas, que existem na Constituição Federal.
Para que essa Delegação ocorra é necessário estar conforme ao que determina o art. 68 da Constituição: seguimento do rito próprio e solicitação formal do Presidente.
Solicitar significa que o Presidente não pode legislar sem autorização e, mais que isso, só o Congresso Nacional, por rito próprio, pode delegar.
Ademais, se exige que a Resolução do Congresso Nacional (logo, votada e publicada pela Mesa do Congresso, sem nenhuma participação ou possibilidade de veto pela Presidência da Republica) especifique os limites à delegação de forma clara, para que tenha parâmetros de aferição se o Presidente invadiu competência que não lhe fora delegada.
Há conteúdos impróprios para delegação (melhor seria dizer VEDADOS) entre eles nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e  eleitorais. De toda sorte, repare-se que o Congresso Nacional, caso queira delegar a Função Legislativa ao Presidente (ainda que com limites e prazo para exercício) não pode dispensar o veiculo em que o Presidente editará a norma decorrente da Delegação: será necessariamente por Lei. Somente essa Lei não será apreciada pelo rito próprio do Congresso Nacional (há dois ritos para a apreciação de delegação: 1) o Congresso pode delegar inteiramente e o Presidente editar a lei sem qualquer necessidade de aprovação do Congresso ou, o Congresso Nacional pode delegar, mas exigir que a Lei lhe seja apresentada para apreciação; nesse caso, não se permitem emendas e o Congresso aprova ou veta inteiramente o texto).
Também aqui não tem sorte o dispositivo do Projeto de lei, nem ele é solicitação formal de delegação, nem se aprovado será editado no veiculo exigido que é a Lei, mas apenas por decretos.
Quando a Constituição determina que o salário seja fixado em lei, está a dizer que deseja e quer que o Congresso Nacional, anualmente, delibere sobre o assunto verificando e controlando os atos do Poder Executivo. Ademais, no nosso ordenamento, é vedado decreto que inove o mundo jurídico (ou que se trate de norma primaria). Normas primarias são editadas por Lei e por nenhum outro instrumento.
Tem-se de outra sorte, um problema. Ainda que a Casa do Povo pudesse delegar tal função (e não pode), a Casa Da Federação não poderia. Explica-se: no sistema bicameral, típico de Estados Federativos, há duas Casas Parlamentares: a Casa do Povo, que é a Câmara, onde os Deputados representam o Povo; e a Casa da Federação, o Senado, que não representa o Povo, mas os Estado e Municípios, entes autônomos e em igual situação tópica com a União.
Supondo que o Povo, pelos seus representantes pudesse delegar (não pode porque a Constituição exige Lei) o Senado não poderia. É que o salário mínimo impacta sobre as previdências e folhas de pagamentos de servidores de todos os Entes Federativos (26 estados e o Distrito Federal, mais os cerca de 5 mil e duzentos municípios). Ora, é dever do Senado Federal zelar pelo Pacto Federativo. Delegar o Poder de fixação do salário mínimo seria uma forma de se colocar submissos estados e municípios ao Poder Central. Assim, a delegação por decreto do ajuste do mínimo poderia vir a ser usada como instrumento de pressão pelo Poder central para forçar os demais entes, sob pena de infração à Lei.
Um Congresso Nacional não é mero carimbador das decisões e vontades do mandatário da vez. O Congresso Nacional, num  Estado de Direito, é a Ágora onde todas as correntes podem, livremente, debater e decidir sobre os assuntos que são de importância.
Quando o Congresso abdica de sua função, o Congresso não só se empobrece como Poe em risco a democracia. É que cabe ao Congresso o exercício do controle e fiscalização sobre o Executivo. Cedendo aos caprichos e vontades do Presidente, o Congresso permite que se aumente o campo de atuação, inclusive tendendo ao autoritarismo e sufocamento do direito das Minorias de exporem seus pontos de vista.
Mas não tem jeito. No Brasil situação e oposição vêm como anormal que a Oposição se oponha, como se o alcance da maioria nas urnas tivesse o condão de eliminar as vozes dissonantes. Lembremo-nos sempre, Senhores: o Estado de Direito só existe e só tem sentido em existir se garante: 1) disputabilidade de idéias e poder; 2) temporariedade de mandatos; 3) submissão ao Império da Lei e 4) proteção e direito de expressão das minorias.
É pavoroso quando os Representantes do Povo, exercendo sua representação para além do mandato que lhes foi conferido por esse mesmo Povo na Constituição, delega suas funções sem qualquer questionamento, submetendo-se à pressão do Executivo.
É mais vergonhoso ainda que os Representantes da Federação (não representantes do Povo, mas garantes do Pacto federativo) voltam as costas para todos os Entes, adorando o Poder Central que emana do Planalto como se fora o único deus a quem deve obediência a República.
Quando todos os Poderes se submetem, por força ou por livre vontade, à decisão de um único Homem é sinal de que se aproxima a tirania e falece o Estado de Direito.
Que tenhamos coragem para afirmar, diuturnamente, que as minorias e a Oposição são parte integrante e necessária do debate e que a exclusão do debate de qualquer dos interlocutores ofende a isonomia e a liberdade de todos os cidadãos.
O Supremo é claro quanto a essa impossiblidade de delegação:
"A Medida Provisória 64/1990, convertida na Lei 215/1990, que autoriza o chefe do Poder Executivo a doar quaisquer bens do Estado, móveis ou imóveis, sem especificá-los, ofende os princípios constitucionais sensíveis (CF, arts. 2º, 25 e 34, IV), como aliás bem anotado no parecer do Ministério Público Federal. Com efeito, a competência outorgada ao Governador, por meio de norma genérica, votada pela Assembleia Legislativa, constitui forma de violação ao princípio da separação dos Poderes de que cuidam os arts.  e 60, § 4º, da Constituição Federal, porquanto lhe atribui contínua autorização para a disponibilidade de bens públicos do Estado. Ora, essa delegação traduz-se em anômalo instrumento para dispor da coisa pública, de maneira permanente e segundo a vontade pessoal e exclusiva do Governador. Além disso, não foi obedecido o disposto no art. 68 da Constituição de 1988, no que toca ao processo legislativo referente às leis delegadas." (ADI 425, voto do Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-9-2002, Plenário, DJ de 19-12-2003.)
"Matéria tributária e delegação legislativa: a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADI 1.296/PE, Rel. Min. Celso de Mello." (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ de 8-9-1995.)
"Poder Executivo. Competência legislativa. Organização da administração pública. Decretos 26.118/2005 e 25.975/2005. Reestruturação de autarquia e criação de cargos. Repercussão geral reconhecida (...). A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal.” (RE 577.025, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 11-12-2008, Plenário, DJE de 6-3-2009.)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

HOMENAGEM AOS REPRESENTANTES DO POVO

Nessa noite madrugada em que a Câmara abdicou de seu dever de legislar, afrontando a Constituição e dando à Presidente o direito de legislar sobre o salário mínimo por meio de decreto, nada mais justo que homenagear, não os representantes do Povo, mas o próprio Povo que os elegeu.
A proposta apresenta pode ser configurada como crime de responsabilidade por parte da Presidente, pois que afronta o exercício livre e independente do Legislativo e restringe o direito democrático de participação do Povo no Processo Legislativo.
Então, meu Povo, vocês que estão felizes com os seus representantes, a vocês o meu brinde e a minha saudação na voz de Zé Ramalho.



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

DA ESCOLHA DOS MINISTROS DA SUPREMA CORTE NO BRASIL

DA ESCOLHA DOS MINISTROS DA SUPREMA CORTE NO BRASIL
Uma leitura possível.

Todos os anos, todas vezes que uma cadeira vaga na Composição Plena do Supremo Tribunal Federal, surgem aqui e alhures idéias sobre a necessidade de modificação da escolha dos Ministros.
Umas defendem a eleição por meio do voto popular, outras defendem que as corporações judiciárias elejam listas, outras ainda que seja o Parlamento, que haja mandato etc e tal.
Sempre, porém, pode-se ter como pano de fundo da proposta de mudança um interesse que diverge da concepção republicana. Há um jurista, com livros publicados (que não citarei o nome por que lhe falta o merecimento) que em todas as indicações do Governo Fernando Henrique ia para os jornais se bater contra elas, dizendo que o único jeito era eleição dos Ministros. No Governo Lula esse mesmo jurista não escreveu um só artigo contra as indicações. (Dúvidas sobre as indicações procurem na Plataforma Lattes os currículos de Gilmar Mendes, indicado pelo Governo Fernando Henrique, e de alguém indicado pelo Lula, verão a diferença abissal).
Tenho para mim que o melhor modelo ainda é o que adotamos no Brasil. Indicação pelo Presidente da República com sabatina e submissão do candidato ao Senado Federal. Mais ainda, que o Ministro do Supremo tem sim que ter a vitaliciedade constitucional, não podendo se sujeitar a mandatos.
Como se sabe, todas as Constituições Brasileiras, inclusive a de 1824, trazem a marca de Montesquieu e, portanto, a separação das Funções do Poder, ainda que façam a ressalva da harmonia que deve haver entre elas.
Duas das funções de Poder têm a legitimidade democrática diretamente aferida nas urnas, em eleições regulares, com voto universal: o Executivo e o Legislativo. O primeiro é escolha da Maioria, não cabendo falar em possibilidade das minorias participarem do governo (em democracias sérias as minorias saídas das Eleições Majoritárias do Executivo passam a ser o campo de Oposição, com os instrumentos de combate ao Governo e de garantia dos direitos daqueles que as minorias representam).
No Parlamento convivem as maiorias saídas das Urnas com as Minorias, que são oposição (ou deveriam ser), garantindo-se, pelo voto proporcional, a máxima representatividade do Povo (quanto à discussão sobre proporcional ou não, distrital puro ou não, não é hora de fazê-la).
O Judiciário – entretanto – no modelo brasileiro instituído ainda em 1824, permanece infenso a qualquer interferência das maiorias, pois que não cabe ao Judiciário nem políticas públicas, nem a feitura de leis. Cabe ao Poder Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça de lesão decorrente de descumprimento de leis e tratados.
Por isso, blindou-se o Judiciário contra a manifestação das ruas e mesmo de políticos: juízes e promotores são inamovíveis, vitalícios e não podem ter redução de subsídios.
Essas garantias constitucionais, verdadeiras cláusulas protetivas, dão ao juiz a certeza de que poderá livremente julgar sem que venha a sofrer pressões de qualquer ordem. E são necessárias. Assim, o Juiz, mesmo em uma pequena comarca, poderá condenar o Prefeito, pois sabe que nenhuma força política pode intervir na sua decisão, nem retirá-lo do cargo. E isso garante o sistema de freios e contra-pesos desenhado pela Carta de 1988.
Como e sabe, no Brasil, a jurisdição é uma e nada pode ser afastado da proteção e análise do Judiciário. A Constituição afirma claramente que qualquer lei que vise excluir uma matéria da apreciação de um juiz é inconstitucional.
[grande parênteses] (por isso me espanta alguns advogados dizerem que o STF não pode apreciar a decisão presidencial acerca de Battisti: quem defende essa impossibilidade não leu a Constituição. Todos os atos de poder podem ser analisados pelo Supremo e constam de suas atribuições, inclusive os atos do Presidente da República, mormente porque se esperam dos seus atos que estejam em conformidade com a Constituição, as leis e os Tratados, conforme ele mesmo jura no dia de sua posse).
Sendo jurisdição única, sendo o Judiciário Brasileiro desenhado para garantir direitos e deveres, seja entre particulares, seja entre esses e o Estado, nas relações privadas e públicas, o Constituinte, de modo soberano e lógico, retirou da esfera de influencia do voto tal Poder.
Logo, imune ao sabor das maiorias de plantão o Judiciário pode se mostrar independente das correntes partidárias garantindo a realização da justiça e o cumprimento das leis.
[grande parênteses de novo] (Juízes devem julgar em conformidade com a lei, não com seus sentimentos de justiça, com suas boas intenções ou qualquer outra coisa. Quando partem para esse tipo de julgamento pelo sentimento que têm devem ter a caridade de pedir as contas e se candidatar. Quem define o Justo e o Injusto num Estado de Direito é o Parlamento, único representante da vontade popular).
Por que então o atual modelo de escolha dos ministros do STF é bom? E por que as propostas tem problemas de fundo que podem impedir a Justiça?
Vamos lá. Quando se define que os Magistrados da Corte Constitucional devem ser escolhidos por listas enviadas pelo Judiciário, Ministério Público e OAB, se está garantindo que o Supremo estará engessado pelas visões desses grupos. Um grande Constitucionalista, que tenha preferido seguir carreira acadêmica apenas, e que não pertença a uma dessas corporações com certeza não poderá ser indicado ao STF, trazendo prejuízos à diversidade que lá deve haver.
Mais que isso. O Ministro estará atrelado a uma das Corporações e seus votos passarão a ser lidos a partir delas. Então, toda vez que tiver que julgar um processo do interesse de uma delas, e decidir julgar contra ou a favor, seu voto será considerado retribuição ou traição.
Quanto à possibilidade de eleição popular. Isso obrigara o juiz a identificar-se com uma corrente partidária e não mais julgar com imparcialidade. Sua visão de certo e errado, constitucional ou não, passará a ser balizada pela visão de seus eleitores. Como será eleito pela Maioria, há grandes chances de que as Minorias passem a não ser contempladas e defendidas pela Suprema Corte.
Quanto a mandatos. Há dois inconvenientes nessa opção e nós as exporemos sem medo:
1) Todo ser humano precisa de estabilidade. Ainda mais quando se tem à sua frente processos que mexem com a vida de milhões de pessoas e que pode chegar à casa dos bilhões com alguma facilidade. Toda jurisdição constitucional é conflituosa por sua própria natureza, tanto no controle concreto quanto no abstrato. Juízes com mandato serão, em tese, mais propensos a aceitar pressão pois precisam sobreviver depois de encerrados os mandatos. Há casos em Cortes Européias de juízes de Cortes Supremas que julgaram a favor de grandes corporações e, terminado o prazo do mandato e a carência, tornaram-se consultores e representantes jurídicos daquelas mesmas corporações.
2) A segurança jurídica exige que a Jurisprudência tenha um mínimo de estabilidade. Não pode a Suprema Corte entender em um processo hoje que tal matéria seja constitucional e amanha definir a inconstitucionalidade. Com os Ministros no atual modelo a segurança jurídica já vem sofrendo alguns abalos sérios pela rapidez de mudanças. Imagine por meio de eleição em que em espaços muito curtos a composição do Pleno poderá mudar bruscamente. A insegurança jurídica passará a vigorar em todo o Judiciário pois que a depender da composição do STF “A” passará a ser “B” e “B” passará a ser “A” com muita fluidez, sem que se tenha parâmetros para buscar a decisão correta.
[explicando] No Brasil vigora o duplo modelo de constitucionalidade: o modelo americano, em que todo juiz no caso concreto pode definir a [in]constitucionalidade da lei e o modelo europeu, em que se pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei abstratamente, sem que ela tenha sequer produzido efeitos no mundo da vida.
O problema no Brasil nunca foi o método como os Ministros são escolhidos. Prova-o que todos os Ministros da Corte, até mesmo no período militar, tomaram decisões que contrariaram os Governos que os indicaram.
O problema no Brasil é que um dos poderes se apequenou e não aceita sua função republicana. O Senado Federal, Casa da Federação, (repise-se aqui que Senadores não representam o Povo, mas os Estados, garantidores que são do Pacto Federativo) que deveria apreciar corretamente as indicações do Presidente da República, não faz com seriedade a sua investigação, nem realiza a sabatina com o devido cuidado.
O problema não é, portanto, o modelo de indicação atual, mas a forma como o Senado se submete, sem nenhum constrangimento, às indicações presidenciais.
Tome-se a última sabatina: por mais qualificação que tenha o Ministro FUX, a sua sabatina foi tudo, menos sabatina. Não houve aprofundamento das posições jurídicas, não se investigou os escritos do Magistrado, não se questionou seriamente as posições por ele adotadas, nem sequer o fato de ser tendente ao Fisco. Foi um desnerolar de elogios, como se todo Senador quisesse se transformar em amigo do Magistrado. Houve choro e sentimentos. A única coisa que não houve, durante as quatro horas (apenas quatro horas decidem o lugar de um Ministro da Suprema Corte) foi discussão jurídica séria e profunda.
Alguns até tocaram na questão do Projeto de Código de Processo Civil, coordenado pelo Ministro FUX (não adentrarei o mérito do projeto, que considero ruim e com excessivos poderes para o juiz), esqueceram-se, porém, que um Ministro do Supremo não é um processualista, mas uma pessoa que lida com a questão Constitucional. A matéria de fundo não é, e nunca poderia, ser o direito adjetivo ou formal, mas o direito substantivo ou material.
Desse modo, o que tem que ser revisto e amplificado não é o modelo de escolha, mas a subserviência do Parlamento ao Executivo. Cabe ao Senado, por meio de longas sabatinas, aferir os critérios de escolha do Presidente e se o candidato detém as condições definidas pela Constituição para ocupar o cargo.
O Judiciário só pode julgar de maneira independente se não sofre pressões. E a Suprema Corte precisa se adequar ao que define a maioria, sendo por isso seus membros escolhidos pelo Presidente, mas mantendo certa estabilidade das decisões, pois que a Corte não pode sofrer alterações bruscas de jurisprudência.
A Suprema Corte é a Guardiã da Carta de 88. É função dela impor limites aos demais Poderes. E suas decisões balizam as decisões das Cortes e juízes. Logo, pedimos encarecidamente ao Senado: Usem de suas prerrogativas, ou melhor, exerçam as competências que lhes foram impostas, Senhores Senadores, pela Constituição. Não vos cabe, Senhores, a submissão, mas a análise de cada indicação. Não vos cabe aceitar como cordeiros, mas por meio de processo sério verificar as condições de investidura. Sejam Senhores Senadores, o que a Constituição exige de vós: Guardiães do Pacto federativo, da Unidade Republicana. Lembrai-vos, Senhores Senadores, daqueles que vos precederam. Lembrai-vos de Ruy Barbosa e daqueles que vos elegeram.
P.S.: Esse escrevinhador gostou da indicação do Ministro FUX. Só não gostou da forma submissa como foi sabatinado.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O PROJETO DE REPATRIAÇÃO DE FUNDOS ILEGAIS:

O PROJETO DE REPATRIAÇÃO DE FUNDOS ILEGAIS:
Uma análise a partir da Constituição
[legalidade] Significa a supremacia da lei (expressão que abrange a Constituição), de modo que a atividade administrativa encontra na lei seu fundamento e seu limite de validade Marçal Justen Filho



Muito se tem discutido sobre Projeto de Lei[1] apresentado pelo Senador Delcídio, que propõe uma espécie de anistia ou remissão para brasileiros, Pessoas Físicas ou Morais, que tenham remetido ilegalmente recursos financeiros para o exterior, desde que façam a repatriação.
Não se pretende aqui discutir o mérito econômico, se é que os há, do referido projeto, pois que impossível se analisar: 1) o impacto desse projeto no efetivo reingresso de recursos; 2) a bondade ou maldade de tais recursos na movimentação econômica, 3) a possibilidade de tais recursos efetivamente irem para o setor produtivo, tendo em vista as taxas reais de juros praticadas no Brasil.
Pretende-se – isso sim – uma análise jurídica do projeto. E por jurídica entenda-se a possibilidade de tal projeto estar constitucionalmente embasado. Somos, como todos sabem, positivistas. O critério de justiça ou injustiça, bondade ou maldade só pode, portanto, ser aferido se conforme a Constituição. Uma norma depende, para sua validade, da norma que lhe antecede e lhe é superior.
Não entraremos no mérito sobre o vício de iniciativa, pois que, apesar de entendermos que o Parlamento nunca é competente para iniciar matérias de índole tributária o Supremo, numa interpretação não sistemática da Constituição, definiu que a iniciativa é concorrente, sendo privativa do presidente apenas a matéria tributária específica dos territórios. Como bem dizia Aliomar Baleeiro, o Grande Ministro da Suprema Corte, a maior prerrogativa do STF é a de errar por último.
Ainda assim, o Projeto do Senador Delcídio guarda inconstitucionalidades, formais e materiais, que impedem sua aprovação.
Quanto às inconstitucionalidades formais:
 Em primeira análise, um projeto como esse que modifica, ainda que transitoriamente, o Código Tributário Nacional (lei 5.172/66), só poderia ser editado como Lei Complementar. Explica-se: em que pese o Código Tributário Nacional, formalmente, ser uma lei ordinária, foi recepcionado como se lei complementar fosse pela Constituição de 1988. E a Constituição, ao determinar a edição de normas gerais de direito tributário, definiu que essa matéria é de competência de Leis Complementares.
Leis complementares diferem das leis ordinárias em razão do quorum. Enquanto as Leis ordinárias são aprovadas por maioria simples (metade mais um dos presentes, estando presentes metade mais um dos parlamentares) as Leis complementares exigem, para aprovação, maioria absoluta (metade mais um do número de parlamentares, independentemente do número de presentes). Em números: basta a uma lei ordinária que, estando presentes 257 deputados, 129 aprovem. Já a lei complementar exige, para aprovação na Camara, que concordem 257 deputados. (No Senado, Lei oridinária precisa de 21 votos de 41 e Lei complementar precisa dos 41).
Assim, o Código Tributário Nacional:
Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
        I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;
Ora, para se permitir que as pessoas, físicas ou jurídicas, internalizem recursos sem que se considere cometidos crimes, necessário, obrigatoriamente, que tal anistia venha no corpo de uma lei complementar, ainda que suspenda temporariamente o que previsto no art. 180.
Logo, se se quer permitir que recursos de brasileiro ilegalmente existentes no exterior, adentrem o território, necessária a suspensão do art.180, impossível de ser sustado por lei ordinária como propõe o Senador Delcidio.
Quanto à necessidade de que se edite Lei Complementar para ab-rogar ou derrogar o Código Tributário Nacional há farta jurisprudência do Supremo.
Ressalte-se, por oportuno, que o Projeto de Lei do Senado é um projeto de Lei Ordinária. Reafirma-se que, nos termos do que ensinam a doutrina e jurisprudência, a inconstitucionalidade formal não admite, em qualquer hipótese, a sua saneabilidade. É lei morta desde antes de ser editada, impossível a sua convalidação.
Quanto às inconstitucionalidades materiais:
I – Quanto ao artigo 1º:
A Constituição explicita:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Ora, a livre iniciativa, ou concorrência leal, exige, por sua própria natureza, que os participantes do jogo tenham as mesmas condições de competição. Em determinados momentos da história do Brasil quem detinha recursos fora do País, ilegalmente, concorria, no plano interno, de forma desleal com aqueles que ou não tinham recursos ou os tinham de maneira legal fora do país. Basta aferir a carga tributária incidente sobre as operações legais de externalização de recursos para se perceber o quanto lucraram aqueles que enviaram recursos sem conhecimento da Fazenda.
Quanto ao artigo 37, cabeça:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
A anistia proposta pelo Senador Delcidio fere pelo menos dois prnicipios contidos no art. 37. Mas ficaremos e focaremos apenas em um: o princípio da moralidade. Ensina Gasparini:
O art.37, caput, da Constituição Federal menciona, entre outros, o princípio da moralidade, que não pode ser senão o da moralidade administrativa. De sorte que o principio da moralidade administrativa tem hoje status constitucional. Diz Hauriou, seu sitematizador, que o principio da moralidade administrativa extrai-se do conjunto de regras de conduta que regulam o agir da Administração Pública; tira-se da boa e útil disciplina interna da Administração Pública. O ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só a lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme afirmam os romanos. Meirelles apoiado em Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do bom administrador, aquele que, usando de sua competência, determina-se não só pelos preceitos legais vigentes,como também pela moral comum, propugnando pelo que for melhor e mais útil para o interesse público. Por essa razão veda-se à Administração Pública qualquer comportamento que contrarie os princípios da lealdade e da boa-fé. A importância do princípio da moralidade administrativa já foi ressaltada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (RDA, 89:134), ao afirmar que a moralidade administrativa e o interesse coletivo, integram a legalidade do ato administrativo[2].                                  
De boa-fé, respeitando o princípio da confiança, contribuintes deixaram de enviar recursos para o exterior ou o fizeram nas balizas da lei. Logo, ao se admitir e remir os que ilegalmente agiram a Administração age contra a moralidade, indiretamente falando aos cidadãos que o mal feito e o ilegal serão tolerados e que os que agiram de boa-fé, respeitando os preceitos do Estado, foram, em verdade, idiotas.
O termo idiota é duro mas é real. Aqueles contribuintes que aceitaram perder dinheiro e proteção patrimonial mantendo seus recursos no Brasil, ou que os enviaram respeitando as regras (e, portanto, sendo tributados por isso) ao perceberem a anistia do Estado se sentirão traídos pelo Estado do qual aceitaram livremente se submeter. (não entraremos aqui no mérito dos contratualistas ou não, mas reafirmamos que o cidadão em determinado momento aceita as regras do Estado ou se rebela contra elas pelos meios que lhe dá o direito, mas nunca, de forma alguma, contra as regras previamente estabelecidas).
Reforçando o entendimento, explicita Diogo de Figueiredo Moreira Neto (já falando sobre legalidade e não moralidade):

A submissão do agir à lei, condição da convivência, de imemorial concepção no processo civilizatório e essência do princípio da legalidade, é de todos exigida, quando e apenas se determinada conduta ou inação estiverem nela prescritas, pois a regra geral para as pessoas em sociedade é a liberdade de ação.
Todavia, a submissão do agir do Estado à lei é sempre e onimodamente exigida, pois o poder público não pode atuar, sob hipótese alguma, contra ou praeter legem, obrigando-se à ação legalmente vinculada[3].(destacou-se).

Quanto ao artigo 150 da Constituição:
A Constituição reza:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
O Projeto de Lei cabe como uma luva no inciso II do artigo 150: ao se anistiar (na verdade se premiar com alíquota de apenas 5% de IRPJ ou IRPF) contribuintes, institui-se tratamento desigual entre contribuintes.
Suponhamos, apenas para efeito explicativo, que duas empresas atuem no mercado de brinquedos, em nível global: a Empresa A, cumprindo com as leis, externaliza ou internaliza recursos nos exatos termos da lei, mantendo uma saudável concorrência; a empresa B externaliza ou internaliza recursos de forma desleal e contrária á lei, recolhendo menos tributos. Lógico está que a Empresa B terá condições de oferecer o mesmo produto que a A por menor valor, pois que seus custos decorrentes da tributação serão menores por descumprimento da legislação tributária e de restrição da livre movimentação de capitais.
Se a Empresa B é anistiada, inclusive quanto aos crimes fiscais, ela é premiada pelo Estado e a Empresa A é tratada de forma desleal e desigual, sendo prejudicada no jogo de mercado, já que a Empresa B, ao longo dos anos, deslealmente concorreu, ofertando preços menores em razão de sua fraude ou simulação fiscal.
Ademais, tem-se a possibilidade de efeito colateral da medida. Explica-se. O artigo 151 reza que:
Art. 151. É vedado à União:
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Ora, suponhamos que Tício tenha enviado ilegalmente para os EUA cem mil dólares no ano de 1995. Em 2007 Tício veio a falecer, deixando aqueles recursos, ainda ilegais, para seus herdeiros. Os herdeiros permaneceram na ilegalidade mantendo os recursos expatriados.
Com a lei aprovada, os herdeiros resolvem repatriar os recursos. O texto da lei é claro ao afirmar que incidem apenas tributos federais nessa internalização. Ocorre que, na verdade, por serem recursos advindos de herança, incidirão sobre eles o ITCD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). Logo, a União estará incidindo na vedação do art. 151, III.
Por via incidente, a inconstitucionalidade do projeto é também aferida por sua incompatibilidade com os art. 163; 170; 172; 174; todos da Constituição Federal.
Por fim, relembre-se que a Constituição exige para regular o Sistema Financeiro Nacional Lei Complementar:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. 
Internalização e externalização de recursos é, em boa medida, parte do que se determina como procedimentais do Sistema Financeiro. Logo, toda e qualquer forma ilícita de expatriação de recursos teve que, em certa medida, transitar no Sistema Financeiro. Desse modo, volta-se ao que acima dito, o Projeto de lei em tela, para além dos vícios materiais, mantem em seu bojo o vicio da inconstitucionalidade formal, insanável e irrecuperável.
Reforce-se, por oportuno, que o citado projeto fere o princípio da “proteção à confiança” que é aquele princípio que protege o contribuinte das relações desiguais do Estado. Logo, é dever da lei, em atenção à confiança, garantir que aqueles que cumpriram com as norma sejam protegidos de toda tentativa de se beneficiar os que, de forma desidiosa e criminosa, burlaram as regras e afetaram o equilíbrio entre as partes.
O Estado não pode, e não deve, premiar os que não aceitam se submeter ao que dispõe a lei. O Estado não pode, e não deve, deixar em segundo plano aqueles que, ciosos de seus deveres cívicos, cumpriram com as normas ainda que elas lhes trouxessem prejuízos ou lhes diminuíssem as chances de competição no mercado.
É isso, superficialmente.


[1] Projeto de Lei 354/09
[2] GASPARINI. Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 10.
[3] MOREIRANETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: forense, 2006, pág. 81.