Poemetos

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sábado, 29 de janeiro de 2011

Reflexões Políticas esparsas.

"Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta; que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda" (Cecília Meireles - Romanceiro da Inconfidência)


A discussão básica entre Liberalismo, Comunitarismos e Republicanismo pode ser resumida em uma só questão: como essas filosofias políticas encaram a questão da Liberdade. (E não me venham com conversa de que liberalismo é teoria econômica. Não é. Antes de refletir sobre economia, Liberalismo reflete e se questiona sobre os limites do Estado e os termos políticos que possam propiciar liberdade e felicidade).
Em breve síntese (ainda que falha) poderíamos dizer que o Liberal abomina a intervenção do Estado na economia e na vida privada das pessoas (repito os termos porque assim se consolidaram no tempo, apesar de economia derivar do grego e seria, numa tradução livre, as regras ou leis domésticas, definidas pelo Chefe da Família e sobre as quais o Estado não teria interferência). Isso não quer dizer que o Liberal não reconheça que em determinados momentos o Estado não possa (o Liberal sabe que há momentos em que a intervenção do Estado DEVE acontecer).
O Liberal não é um anarquista. Reconhece que o Estado intervirá algumas vezes na esfera da vida privada. O que aflige o Liberal é que  para ele, toda e qualquer intervenção, ainda que aquelas necessárias e urgentes, são a prova do fracasso do individuo. Ou seja, os indivíduos, vivendo em sociedade, são responsáveis pelos fracassos que levam à intervenção estatal.
Para os comunitaristas, o Estado é um bom regulador da vida privada. Portanto, os Comunitaristas tendem a comemorar, com alguma algazarra, toda tentativa de se regular os mínimos atos dos cidadãos. Em regra, acreditam que os homens nascem condicionados pelo seu nascimento e que alguém (um agente externo: o Estado) deve intervir e regular a vida dos indivíduos para que ele possa ser livre.
Não por acaso, o Liberal salvaria o indivíduo; o comunitarista, a comunidade. Para aquele, importa a felicidade de cada pessoa (felicidade não é hedonismo, há ética própria) para este importa o equilíbrio da comunidade, que se sobrepõe à individualidade dos seus membros.
Em breves linhas, o Republicanismo se situa no meio termo entre as concepções liberais e as comunitaristas. Nem crê que toda intervenção é prova do fracasso do indivíduo nem crê que toda e qualquer intervenção do Estado é boa em si mesma. o Republicano acredita num ethos que conduza o Estado, crê num Estado teleologicamente orientado para um fim.
Para o republicano o Estado deve ser orientado para ampliar a liberdade dos indivíduos. Desse modo, estando o Estado voltado para esse fim, ele está autorizado a intervir na esfera privada, desde que a intervenção seja para ampliar a liberdade.
Explica-se: 
Numa sociedade regulada pode acontecer que indivíduos ou grupos (ou empresas)possam se utilizar ou de regras existentes ou de brechas normativas para tentar dominar outros grupos ou indivíduos (ou mercado).
Pode até mesmo ocorrer que determinados indivíduos sejam dominados ou subjugados em determinada escolha que faça, sendo-lhe permitido entretanto autonomia em outra esfera de que participe.
Cabe ao Estado, portanto, ao perceber essas possibilidades (ou mesmo ocorrências)de dominação, intervir para garantir liberdade.
Assim, justifica-se a intervenção do Estado no mercado para se impedir a formação de monopólios ou oligopólios que possam impedir a livre e justa concorrência entre os competidores no mercado.
Não se justifica, entretanto, leis que restrinjam ou impeçam ou até mesmo tentem intimidar e tornar párias, por exemplo, os fumantes. O ato de fumar, sendo lícito, é escolha individual e consciente do individuo e não pode o estado, sob qualquer argumento, prejudicar escolhas que cabem tão somente àquele individuo e a mais ninguém. Leis que exijam a divulgação dos possíveis males, são válidas porque o individuo deve ter subsídios para sua razão de decidir. Mais que isso, é intervenção anômala na esfera privada.
Não é lícita a lei do cinto de segurança obrigatório. Ora, informado o individuo sobre os riscos de se andar de carro sem o equipamento cabe a ele, e não ao Estado, decidir sobre o uso ou não. Já leis para uso obrigatório de cintos de segurança em crianças são lícitas pois são seres ainda sem capacidade de discernimento para realizarem suas escolhas.
Concluindo: Liberais consideram a intervenção do Estado, mesmo quando consentida, como prova de fracasso; comunitaristas almejam regular todos os sentidos da vida em prol da comunidade que é superior ao individuo. Republicanos admitem a intervenção do Estado apenas e tão somente se tal intervenção for para ampliar liberdade e evitar dominação. Portanto, para o republicano as intervenções do Estado serão ou boas ou más quanto ao objetivo pretendido, mas sempre visando a liberdade e o impedimento de dominação.

Credo

Aqueles que crêem renovamos a nossa fé.
Pois que estávamos nas trevas e veio a Luz. Veio para clarear a vida daqueles que escolhera desde o Princípio dos Tempos. Deus de Deus, Lulz da Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro, Gerado, não criado. Palavra que tudo fez e Amor para todos os que creram.
Os que temos fé, professamos: Ele é a Nova Aliança, que derramou em expiação e oferta ao Deus da Vida o Seu preciosíssimo Sangue, em favor da salvação de muitos.
Ele, o Senhor da História.
Ele, o Absoluto no Mundo.
Ele, que nos escolheu desde o princípio dos tempos, para dar testemunho.
Nele, por Ele e com Ele erguemos o santo Louvor, reafirmando e professando aquilo que cremos e confessando nossa submissão Áquele que é, era e que vem.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Juramento

Ego WAGNER firmiter amplector ac recipio omnia et singula, quae ab inerranti Ecclesiae magisterio definita, adserta ac dedarata sunt, praesertim ea doctrinae capita, quae huius temporis erroribus directo adversantur.

Ac primum quidem: Deum, rerum omnium principium et finem, naturali rationis lumine per ea quae facta sunt (Rom 1,20), hoc est, per visibilia creationis opera, tamquam causam per effectus, certo cognosci, ideoque demonstrari etiam posse, profiteor.

Secundo: externa revelationis argumenta, hoc est facta divina, in primisque miracula et prophetias admitto et agnosco tamquam signa certissima divinitus ortae Christianae religionis, eademque teneo aetatum omnium atque hominum, etiam huius temporis, intellegentiae esse maxime accommodata.

Tertio: firma pariter fide credo Ecclesiam, verbi revelati custodem et magistram, per ipsum verum atque historicum Christum, cum apud nos degeret, proxime ac directo institutam eamdemque super Petrum, apostolicae hierarchiae principem, eiusque in aevum successores aedificatam.

Quarto: fidei doctrinam ab apostolis per orthodoxos patres eodem sensu eademque semper sententia ad nos usque transmissam, sincere recipio; ideoque prorsus reicio haereticum commentum evolutionis dogmatum, ab uno in alium sensum transeuntium, diversum ab eo, quem prius habuit Ecclesia; pariterque damno errorem omnem quo divino deposito, Christi sponsae tradito ab eaque fideliter custodiendo, sufficitur philosophicum inventum, vel creatio humanae conscientiae, hominum conatu sensim efformatae et in posterum indefinito progressu perficiendae.

Quinto: certissime teneo ac sincere profiteor, fidem non esse caecum sensum religionis e latebris «subconscientiae» erumpentem, sub pressione cordis et inflexionis voluntatis moraliter informatae, sed verum assensum intellectus veritati extrinsecus acceptae ex auditu, quo nempe, quae a Deo personali, creatore ac Domino nostro dicta, testata et revelata sunt, vera esse credimus, propter Dei auctoritatem summe veracis.

Me etiam, qua par est reverentia, subicio totoque animo adhaereo damnationibus, declarationibus, praescriptis omnibus, quae in encyclicis litteris Pascendi et in decreto Lamentabili continentur, praesertim circa eam quam historiam dogmatum vocant.

Idem reprobo errorem affirmantium, propositam ab Ecclesia fidem posse historiae repugnare, et catholica dogmata, quo sensu nunc intelleguntur, cum verioribus Christianae religionis originibus componi non posse.

Damno quoque ac reicio eorum sententiam, qui dicunt Christianum hominem eruditiorem induere personam duplicem, aliam credentis, aliam historici, quasi liceret historico ea retinere, quae credentis fidei contradicant, aut praemissas adstruere, ex quibus consequatur, dogmata esse aut falsa aut dubia, modo haec directo non denegentur.

Reprobo pariter eam Scripturae sanctae diiudicandae atque interpretandae rationem, quae, Ecclesiae traditione, analogia fidei et apostolicae Sedis normis posthabitis, rationalistarum commentis inhaeret, et criticam textus velut unicam supremamque regulam haud minus licenter quam temere amplectitur.

Sententiam praeterea illorum reiicio, qui tenent, doctori disciplinae historicae theologicae tradendae aut iis de rebus scribenti seponendam prius esse opinionem ante conceptam sive de supernaturali origine catholicae traditionis, sive de promissa divinitus ope ad perennem conservationem uniuscuiusque revelati veri; deinde scripta patrum singulorum interpretanda solis scientiae principiis, sacra qualibet auctoritate seclusa eaque iudicii libertate, qua profana quaevis monumenta solent investigari.

In universum denique me alienissimum ab errore profiteor, quo modernistae tenent in sacra traditione nihil inesse divini, aut, quad longe deterius, pantheistico sensu illud admittunt, ita ut nihil iam restet nisi nudum factum et simplex, communibus historice factis aequandum: hominum nempe sua industria, solertia, ingenio scholam a Christo eiusque apostolis inchoatam per subsequentes aetates continuantium.

Proinde fidem patrum firmissime retineo et ad extremum vitae spiritum retinebo, de charismate veritatis certo, quad est, fuit eritque semper in episcopatus ab apostolis successione (1), non ut id teneatur, quod melius et aptius videri possit secundum suam cuiusque aetatis culturam, sed ut numquam aliter credatur, numquam aliter intellegatur absoluta et immutabilis veritas ab initio per apostolos praedicata (2).

Haec omnia spondeo me fideliter, integre sincereque servaturum et inviolabiliter custoditurum, nusquam ab us sive in docendo sive quomodolibet verbis scriptisque deflectendo. Sic spondeo, sic iuro, sic me Deus adiuvet, et haec sancta Dei Evangelia.



Eu, WAGNER, firmemente aceito e creio em todas e em cada uma das verdades definidas, afirmadas e declaradas pelo magistério infalível da Igreja, sobretudo aqueles princípios doutrinais que contradizem diretamente os erros do tempo presente.

Primeiro: creio que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza e pode também ser demonstrado, com as luzes da razão natural, nas obras por Ele realizadas (Cf. Rm I 20), isto é, nas criaturas visíveis, como [se conhece] a causa pelos seus efeitos.

Segundo: admito e reconheço as provas exteriores da revelação, isto é, as intervenções divinas, e sobretudo os milagres e as profecias, como sinais certíssimos da origem sobrenatural da razão cristã, e as considero perfeitamente adequadas a todos os homens de todos os tempos, inclusive aquele no qual vivemos.

Terceiro: com a mesma firme fé creio que a Igreja, guardiã e mestra da palavra revelada, foi instituída imediatamente e diretamente pelo próprio Cristo verdadeiro e histórico, enquanto vivia entre nós, e que foi edificada sobre Pedro, chefe da hierarquia eclesiástica, e sobre os seus sucessores através dos séculos.

Quarto: acolho sinceramente a doutrina da fé transmitida a nós pelos apóstolos através dos padres ortodoxos, sempre com o mesmo sentido e igual conteúdo, e rejeito totalmente a fantasiosa heresia da evolução dos dogmas de um significado a outro, diferente daquele que a Igreja professava primeiro; condeno semelhantemente todo erro que pretenda substituir o depósito divino confiado por Cristo à Igreja, para que o guardasse fielmente, por uma hipótese filosófica ou uma criação da consciência que se tivesse ido formando lentamente mediante esforços humanos e contínuo aperfeiçoamento, com um progresso indefinido.

Quinto: estou absolutamente convencido e sinceramente declaro que a fé não é um cego sentimento religioso que emerge da obscuridade do subconsciente por impulso do coração e inclinação da vontade moralmente educada, mas um verdadeiro assentimento do intelecto a uma verdade recebida de fora pela pregação, pelo qual, confiantes na sua autoridade supremamente veraz, nós cremos tudo aquilo que, pessoalmente, Deus, criador e senhor nosso, disse, atestou e revelou.

Submeto-me também com o devido respeito, e de todo o coração adiro a todas as condenações, declarações e prescrições da encíclina Pascendie do decreto Lamentabili, particularmente acerca da dita história dos dogmas.

Reprovo outrossim o erro de quem sustenta que a fé proposta pela Igreja pode ser contrária à história, e que os dogmas católicos, no sentido que hoje lhes é atribuído, são inconciliáveis com as reais origens da razão cristã.

Desaprovo também e rejeito a opinião de quem pensa que o homem cristão mais instruído se reveste da dupla personalidade do crente e do histórico, como se ao histórico fosse lícito defender teses que contradizem a fé o crente ou fixar premissas das quais se conclui que os dogmas são falsos ou dúbios, desde que não sejam positivamente negados.

Condeno igualmente aquele sistema de julgar e de interpretar a sagrada Escritura que, desdenhando a tradição da Igreja, a analogia da fé e as nosmas da Sé apostólica, recorre ao método dos racionalistas e com desenvoltura não menos que audácia, aplica a crítica textual como regra única e suprema.

Refuto ainda a sentença de quem sustenta que o ensinamento de disciplinas histórico-teológicas ou quem delas trata por escrito deve inicialmente prescindir de qualquer idéia pré-concebida, seja quanto à origem sobrenatural da tradição católica, seja quanto à ajuda prometida por Deus para a perene salvaguarda de cada uma das verdades reveladas, e então interpretar os textos patrísticos somente sobre as bases científicas, expulsando toda autoridade religiosa, e com a mesma autonomia crítica admitida para o exame de qualquer outro documento profano.

Declaro-me enfim totalmente alheio a todos os erros dos modernistas, segundo os quais na sagrada tradição não há nada de divino ou, pior ainda, admitem-no, mas em sentido panteísta, reduzindo-o a um evento pura e simplesmente análogo àqueles ocorridos na história, pelos quais os homens com o próprio empenho, habilidade e engenho prolongam nas eras posteriores a escola inaugurada por Cristo e pelos apóstolos.

Mantenho, portanto, e até o último suspiro manterei a fé dos pais no carisma certo da verdade, que esteve, está e sempre estará na sucessão do episcopado aos apóstolos¹, não para que se assuma aquilo que pareça melhor e mais consoante à cultura própria e particular de cada época, mas para que a veradde absoluta e imutável, pregada no princípio pelos apóstolos, não seja jamais crida de modo diferente nem entendida de outro modo².

Empenho-me em observar tudo isso fielmente, integralmente e sinceramente, e em guardá-lo inviolavelmente, sem jamais disso me separar nem no ensinamento nem em gênero algum de discursos ou de escritos. Assim prometo, assim juro, assim me ajudem Deus e esses santos Evangelhos de Deus.

<>Acta Apostolicæ Sedis, 1910, pp. 669-672
__________
1: IRENEU, Adversus haereses, 4, 26, 2: PG 7, 1053.
2: TERTULIANO, De praescriptione haereticorum, 28: PL 2, 40.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Para o Brasil um recado de Gregorio de MAtos

Gregório de Matos

Descrevo que era Realmente Naquele Tempo a Cidade da Bahia

A cada canto um grande conselheiro, que nos quer governar cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um freqüentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro. Muitos mulatos desavergonhados, trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia.

Liberdade como não dominação - BIBLIOGRAFIA

4     Referências


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Liberdade como não dominação - parte XII

5.2 Princípio Republicano; Materialidade e Pretensão de Eternidade


5.2.1 A Questão do Plebiscito de 1993: a Opção do Titular do Poder Constituinte


Em que pese a opinião de GUERRA FILHO (2003), segundo a qual o Princípio Republicano não é Princípio estruturante do estado Brasileiro porque a um, as conquistas históricas a ele inerentes estariam já abarcadas pelo estado de Direito e a dois, porque foi permitido que o Povo – por plebiscito – decidir-se acerca dele, afirma-se aqui que tal se deu porque o Constituinte de 1988, ciente de que apenas representava o Poder Soberano do Povo, não quis tomar decisão que considerava fundamental.
Tanto considerou o republicanismo quando da feitura da Carta Política que inseriu nela, de maneira indelével, a marca das idéias republicanos de não dominação. Pode-se assim dizer que o Povo, no Plebiscito de 1993, ao decidir-se pela República, deu o aval para o contrato firmado pelos seus Representantes. E não há dúvidas de que, após a proclamação dos resultados, conhecendo-se a vontade geral, o Princípio Republicano passou a configurar-se como Princípio Estruturante da República Brasileira. Mais, ganhou pretensões de eternidade, coisa que se verá no próximo tópico.

5.2.2 A Imodificabilidade do Princípio


Com o Plebiscito de 1993, por decisão do Titular do Poder Constituinte, em decisão soberana, o Princípio Republicano tornou-se protegido pela cláusula impeditiva de modificação do Art. 60, §4º CRFB/88. Isto porque se tornou a base para compreender e apreender o texto constitucional de 1988. É certo que aquele rol do §4º é exemplificativo pois não se pode, sem sombra de dúvidas, dizer que o Estado Democrático de Direito – que não consta do referido artigo – não esteja protegido contra qualquer tentativa de modificação de seu conteúdo. E o Princípio em tela se tornou mais imutável ainda porque se revelou não como decisão de representantes, mas como escolha do Titular do Poder.
 A esse respeito, afirma Canotilho (2002, p.224), a República, “além de ser soberana no sentido de comunidade autogovernada e autodeterminada, é ainda soberana ao acolher como título de legitimação a soberania popular”. E, mais adiante, definindo a república como democracia deliberativa, fundada no compromisso dos cidadãos impõe que os mesmos resolvam coletivamente os problemas colocados através de escolhas coletivas surgidas do debate e aceitem como legítimas as instituições políticas conformadas a partir de uma deliberação do Povo, feita em plena liberdade.

5.2.3 A Fundamentalidade do Princípio


A república é soberana porque fundada na soberania popular, esta uma de suas feições. Outra característica fundamental da República é que seja ela uma comunidade constitucional inclusiva (CANOTILHO 2002), num mundo pluralista, em que não mais é possível uma única visão de mundo, mas que abarca diversas escolhas entre aquelas concepções razoáveis de mundo.
O republicanismo fala ainda em liberdades. Não uma só liberdade, apesar de todas estarem incluídas no ideal de liberdade como não-dominação, mas de liberdades várias, conjugando-se a liberdade dos antigos com a liberdade dos modernos, isto é, conjugando a liberdade como participação política na ágora com a liberdade de defesa perante o poder. Ainda uma nota sustenta a fundamental importância do Princípio republicano: a socialidade. O Estado Brasileiro busca, pela igualdade de oportunidades e pela regulação para alcançar o bem comum, tornar-se uma ordem livre marcada pela reciprocidade, igualdade e solidariedade.
Nesses sentidos, pode-se afirmar que as idéias da revolução Francesa, presentes em menor medida na Constituição dos EUA, também são tingidas com as cores fortes da igualdade, da liberdade e da fraternidade. A República Brasileira é, então, azul, branca e vermelha, podendo ser o sonho daqueles que antes lutaram por mais liberdade, e não qualquer liberdade, mas aquela capaz de diminuir a opressão e a dominação.

4.1         A Opção Contra majoritária


O Constituinte optou ainda por mecanismos contra majoritários, impedindo, caso do Art. 60, §4º, ou dificultando a mudança e feitura de leis quando entendeu que elas deviam ser modificadas apenas quando já existisse um certo consenso acerca de sua modificação. Recordou-se aqui da premissa já tão propalada de que uma geração não pode impor à outra as suas leis sem o mínimo diálogo.
Destarte, impôs quoruns qualificados para se fazer uma Emenda a Constituição, impôs quoruns diferenciados para determinadas matérias afetas à Lei Complementar e retirou da incidência dos decretos e regulamentos várias matérias que só puderam ser tratadas a partir de lei. Dessa forma reduziu o constituinte de 1988 a arbitrariedade, tornou a atuação estatal mais previsível e impediu que as maiorias da vez modificassem a toda hora as Leis Básicas da Nação.

5     O Estado de Necessidade Constitucional


Importa ressaltar que aquela visão de que há momentos em que necessário, para se preservar o Estado, que a lei seja aplicada a um membro ou a algum grupo identificável, fugindo à noção de universalidade da lei, estão contempladas no Estado de Defesa Constitucional. Ali, para se preservar o desenho institucional e a vontade expressa pelo Povo quando da feitura da Constituição, estão os remédios aplicáveis pelo Estado, determinados os conteúdos e alcance de aplicação. Destarte, impediu o constituinte que as medidas de exceção ali previstas fossem instrumento de dominação, prestando-se única e exclusivamente à proteção do Estado.



6     Conclusão


Após a análise dos ideais republicanos e da leitura que se deve fazer da Constituição de 1988, insta rematar, definindo-se as conclusões possíveis nesta pesquisa:
ü  A República carrega em seu bojo um ideal de liberdade como não dominação. Diferencia-se do ideal liberal por acreditar na possibilidade de interferência do Estado, desde que positiva e tendente a ampliar os espaços de liberdade; e do Ideal Comunitarista, por não acreditar que seja possível, em uma sociedade pluralista, manter-se um ideal de vida boa centrado na comunidade.
ü  A república se define como linguagem. Não pretende carregar consigo um programa de governo mas, sim, servir como referencial político para a tomada de decisões.
ü  A República possui um ideal de igualdade estrutural, diverso da igualdade formal e da igualdade material, que se realiza na igual possibilidade de oportunidades. Ainda assim, o ideal republicano não impede que o Estado interfira para diminuir a desigualdade material quando esta for de tal monta que implique dominação.
ü  A linguagem republicana se presta a desenvolver matéria de diálogo com os grupos reivindicatórios hoje existentes como, por exemplo, o ambientalismo e o feminismo.
ü  As políticas republicanas reivindicam seu espaço de atuação, como promotoras do ideal de liberdade como não-dominação, nas áreas inerentes ao estado com, v.g., defesa exterior, segurança pública, autonomia individual e distribuição de bens e riquezas.
ü  A república tem consigo o ideal do Império da Lei, em substituição ao Império de homens. Importa dizer que as leis devem ser universais, genéricas e afetar a todos, inclusive àqueles que foram incumbidos de fazê-las.
ü  O republicanismo exige, para que se efetive, que o Poder não esteja concentrado nas mãos de um, de poucos ou de muitos. Para tanto, defende a dispersão de poderes, pela divisão das funções estatais em vários centros de poder, valendo-se do sistema de freios e contrapesos.
ü  O republicanismo exige que haja mecanismos contra majoritários que impeçam ou dificultem a modificação de determinadas leis básicas de uma sociedade. Isto em razão da volatilidade das massas e da possibilidade de que decisões tomadas em momentos de comoção popular não serem as melhores. Também para se impedir que as maiorias imponham seu direito às minorias, causando dominação.
ü  A República se quer uma republica deliberativa, tendente ao debate e, para tanto, exige que a tomada de decisões só se dê após o debate de idéias e a ocorrência de disputa em que todos possam apresentar suas razões para escolha. Exige ainda que os cargos sejam de natureza transitória, necessitando regularmente serem colocados à disposição do Povo para que possa haver rotatividade no Poder.
ü  O Princípio republicano é Princípio Estruturante da República Brasileira, nos termos da Constituição de 1988.
ü  A Constituição de 1988 trouxe em seu bojo todos os ideais e princípios próprios do republicanismo como a igualdade, o império da lei, a moralidade, os controles orçamentários e de gastos, a livre determinação dos povos.
ü  Ao deixar para o Titular do Poder Constituinte o direito de escolha, o Constituinte de 1988 viu que não podia decidir pelos que representava. Destarte, repassou ao Povo a tarefa de escolher que Princípio regeria o Estado Brasileiro.
ü  Após o Plebiscito de 1993, o Princípio Republicano tornou-se – de fato e de direito – Princípio estruturante da República Federativa do Brasil. Como tal está protegido contra toda e qualquer possibilidade de Emenda Constitucional, só podendo deixar de informar o sistema jurídico brasileiro se derrubada a Ordem Constitucional atual.
ü  Dessa forma, o principio republicano tem pretensões de imodificabilidade e de eternidade, conformando o sistema jurídico e concretizando-se na Carta Magna de 1988.
Em suma, há que se reconhecer o locus do princípio republicano e a sua necessidade nestes tempos em que vive a República Brasileira. O ideal de não-dominação, a separação público-privada, as idéias de autonomia e de diálogo plúrimo em uma sociedade multicultural como a Brasileira só encontrarão eco na teoria Republicana. É a hora de que precisa o Estado para a implantação da vertù, a abnegação republicana e a disposição ao sacrifício. É a hora, no estado brasileiro, de viger o Império da Lei, acima das vontades de Homens ou de Partidos. Só assim, o ideal político de justiça, como bem desenhado por Rawls (2000) poderá ser alcançado pelo Povo Brasileiro.
Justitia et Pax Osculatae Sunt (Ps 84).

Liberdade como não dominação - parte XI

5.1.2 o Império da Lei – a Virtude da Abnegação


O caput do art. 5º da CRFB/88 c/c o inciso II, ainda implicam o Império da Lei para todos, devendo ser respeitadas inclusive pelos legisladores. O império da lei deve ser interpretado como uma possibilidade de conformação do Estado para ampliar os espaços de não-dominação e também para manter a autodeterminação dos cidadãos, pelo Aufklärung kantiano.
Ademais, é próprio de uma comunidade política (aqui usado o termo impropriamente) que seus partícipes se auto-determinem politicamente, criando e mantendo instituições políticas apropriadas à decisão e participação dos cidadãos.
O inciso II[1] ainda é mais veemente, do ponto de vista republicano, ao traçar os limites da possibilidade de exigência estatal, a lei. Decorrem daí duas premissas: o Estado só pode agir nos limites impostos pela lei, princípio da legalidade; e o cidadão tem sua autonomia restringida pela lei, sendo livre para decidir qualquer coisa, desde que a lei não o obrigue a fazer algo, ou deixar de fazer, para que o Estado incentive a autonomia das vontades e amplie o leque de possibilidades de não-dominação.
Daí decorre o conflito que hoje vige no Brasil, pela fúria legiferante, e a crença ainda vigente de que as leis são remédio para tudo. Assim o furor do legislador permite que haja leis que “peguem e leis que “não peguem”, porque criadas de afogadilho, com confiança extremada de que tudo resolverão. A maximização legislativa, mais que ter como escopo a liberdade, tem como fim a dominação sufocante do Estado, que se arvora em Senhor Absoluto da vida de seus cidadãos. Uma república há que ter poucas e boas leis, deixando que o cidadão se utilize do seu Esclarecimento para viver em sociedade. As poucas leis têm que ter por finalidade o ideal de liberdade como não-dominação e também a certeza do seu cumprimento.

5.1.3 Os princípios da Administração (art. 37, CRFB/88)


O art. 37 da CRFB/88 estipula os princípios que devem reger a Administração Pública, todos de inspiração no ideal de não-dominação próprio do Estado Republicano, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O Estado não dominador, cujo escopo é amplificar a liberdade, deve se ater à legalidade: todo e qualquer ato além dos limites da lei, são atos de dominação; deve ser impessoal, isto é, ao agir não pode direcionar suas forças em benefício de alguém específico, concedendo benesses aos amigos da vez; deve ser carregado da moralidade e do ethos republicano, não podendo se afastar da abnegação no cumprir a lei e do desenho organizacional imposto pela Sociedade quando do Pacto Fundante da mesma. Ademais, deve publicizar seus atos, não fazendo nada à sorrelfa e, quando necessário o sigilo (por exemplo, em defesa exterior ou em caso de segurança nacional), não o pode ser perpetuamente e há que ter mecanismos de controle dos referidos atos. E deve ser eficiente, importa dizer: deve envidar o mínimo de esforços e recursos para atingir o máximo de resultados.

5.1.4 os controles republicanos


A prestação de contas da gestão estatal é uma das condições republicanas. Assim, o Constituinte de 1988 arrolou, em diversos artigos, especialmente o Título IV, que trata da Organização dos Poderes e o Título VI, que trata da Tributação e do Orçamento.
 Os controles republicanos se efetivam, pois, de duas formas: a uma, pelo sistema de freios e contrapesos que impede a uma função estatal solapar as competências da outra; a duas, pelas limitações e exigências no tributar a população, bem como – decorrente da publicidade – a prestação de contas da aplicação dos dinheiros públicos.
A república brasileira impede que os Poderes extrapolem de seus limites constitucionais, o que não impõe que um Poder, determinando a Constituição, não possa exercer função própria a outro. É o caso, v.g., das medidas provisórias que, em caso de relevância e urgência, nas matérias permitidas pela Emenda Constitucional 32, podem ser editadas pelo Chefe do Poder executivo.
Outra forma de controle do Estado, impedindo que ele se arvore em dominador e opressor do Povo, é a dispersão dos poderes. O Constituinte de 88 não só conformou a República Brasileira, mas a fez Federativa, isto é, com dispersão do Poder entre vários núcleos estatais, além daqueles próprios à União. E mais, firmou posição do Município, também ele, como pólo de poder, pertencendo à Federação. Todos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, são autônomos e com competências determinadas, exercendo uns sobre os outros os controles que impedem a dominação de um ente estatal por outro.
No que tange à transparência e publicidade dos gastos governamentais, outra não pode ser a linha adotada que não a de se afirmar, com convicção, de que a Lei de responsabilidade Fiscal é decorrente do Princípio Republicano, a exigir do Agente estatal transparência, eficiência e publicidade das contas estatais.
Outra forma de controle se encontra na disputabilidade do poder. Nenhuma facção ou pessoa pode se arvorar em dona do poder no Brasil. Para tanto, eleições regulares, quando através do debate o povo elege suas escolhas, permitem que a disputabilidade também controle a sanha da dominação. É que o grupo hoje no Poder não pode ter certeza que lá estará após as eleições. Isto faz com que os agentes eleitos façam suas escolhas lembrados de que poderão voltar a ser povo. Ademais, fazem as leis sabendo que elas valem também para eles.


[1] Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Liberdade como não dominação - parte X

4.2 Democracia como Disputabilidade


Um governo será democrático, numa perspectiva republicana, se representar que o poder do Estado seja controlado pelo Povo, e na medida em que o Povo, individual ou coletivamente, desfrute da possibilidade de disputar as decisões de governo.
Para que a tomada de decisões seja disputável, exigem-se três pré-condições: 1) que o procedimento para as decisões seja tal que haja uma base potencial para a disputa; 2) que haja um canal por onde possa ocorrer a disputa entre os partícipes; 3) que exista um foro adequado para que ela aconteça e capaz de estruturar a validez e validade das exigências e determinar a resposta adequada.

4     Res Publica e Constituição de 1988: o sonho do Constituinte de uma materialidade da República


Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, problemas surgiram acerca da inclusão ou não do Princípio Republicano como Princípio Estruturante do Estado, isto é, se o referido Princípio se enquadrava na moldura desejada pelo Constituinte Originário. Se se mantiveram incólumes os limites territoriais do País, outro foi o desenho institucional dado pela Constituição acarretando uma reflexão do que seria, em nosso ordenamento, o ethos configurado pela República[1].
O Princípio Republicano é de tal importância que não quis o Constituinte, legítimo representante do Povo Soberano, decidir pelos seus representados. Entretanto, de tal forma a inspiração republicana o inflamou que – mesmo deixando ao Povo a decisão – em momento algum deixou de informar o texto com os sub-princípios decorrentes, nem as características essenciais a uma República deliberativa, fundada no debate de idéias.

5.1 Os Princípios inerentes à República Brasileira


Todos os princípios de que se tratou ao longo deste trabalho estão insertos no corpo da Constituição Brasileira de 1988. sendo a Constituição um sistema aberto de regras e princípios, impende lembrar que o Princípio Republicano é um dos Princípios Estruturantes da Constituição Brasileira. Aqui, em que pese a opinião de Guerra Filho (2003), há que se considerar a tríade de princípios estruturantes tais quais arrolados por Canotilho (2002). Assim, segundo Canotilho, a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, ilumina a compreensão da Constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em sub-princípios e regras constitucionais concretizadores dos mesmos.
Os princípios estruturantes são, pois, constitutivos e indicativos das idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. No dizer de Canotilho (2002, p. 1159) “são as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político”.

4.1.1    A Igualdade, antes estrutural que material ou formal


O art. 5º, caput, da CRFB/88, determina a igualdade de todos perante a lei. Entretanto, há que se considerar tal preceito de igualdade como um preceito de igualdade estrutural[2]. Implica dizer que não pode a República buscar uma igual condição material, todos com os mesmos recursos econômicos, mas com iguais oportunidades de largada.
Ainda assim, cabe à República quando abissais as diferenças entre pobres e ricos, o trabalho de redistribuir bens com o intuito de aumentar a liberdade como não-dominação.
Igualdade, na constituição de 1988, implica ainda igualdade na criação do direito e igualdade na aplicação do direito. Assim, igualdade na aplicação importa em que o Estado, para ser republicano, não pode olhar a quem está atingindo com a lei; ela vale para todos, independentemente de que posição ocupem na cadeia social; igualdade na aplicação do direito importa em que não se façam leis que beneficiem apenas alguns poucos, mas que sejam dotadas de universalidade e impessoalidade.
De mais a mais, o princípio da igualdade implica ainda, não a igualdade na chegada, mas a igualdade de oportunidades, isto é, que todos tenham acesso aos bens primários que a sociedade intui serem necessários, em conformidade com a razão prática, para que o estado se funde, aqui já se aproximando do ideal de igualdade material[3].
Outra função importante do princípio da igualdade, estruturalmente falando, é a igualdade perante os encargos públicos (impostos, taxas, contribuições), que, quando, por questão de justiça social, pesam sobre determinados grupos, devem ser justificados e motivados. Não à toa, o Constituinte inseriu como princípio de tributação a capacidade contributiva, indicando que ninguém pode ser obrigado a arcar com os ônus estatais, se impossível para ele manter-se, ou se inexistente renda que o ajude a suportar tais encargos.
Outra importante missão do princípio de igualdade, conformador do estado Republicano, é a igual possibilidade de acesso aos cargos públicos, nomeadamente os cargos que dependam da eleição popular. Uma sociedade pluralista que se quer republicana deve estender ao máximo a possibilidade de que as pessoas participem ativamente do processo político, votando e sendo capazes de serem votadas. Repare-se que o capítulo dos Direitos Políticos estende a boa parte da população tais capacidades. Ressalte-se que, num contexto republicano, a obrigatoriedade do voto é ainda um princípio baseado na igualdade. Votar se torna um dever cívico, uma obrigação para com o estado e uma limitação ao mesmo estado para que se abstenha de praticar a não-dominação.


[1] Aqui se está já a fazer um corte epistemológico: diversamente do que se pensa, uma coisa é o Princípio Republicano, outra é o regime republicano. Apesar de umbilicalmente ligados, um e outro não são iguais. Se o primeiro informa todo o Direito Pátrio, ao Regime Republicano cabe apenas e tão somente o delineamento do exercício do Poder Estatal, dividido em Funções Executiva, Legislativa e Judiciária.
[2] Ver, a propósito, item 3.2.1 deste trabalho.
[3] A CRFB/88 é carregada desses princípios de igualdade, notadamente o art. 3º, III e IV.

Liberdade como não dominação - parte IX


3.3 Objetivos Republicanos: Causas e Políticas


A política tem um aspecto conversacional deliberativo, sendo o papel da filosofia política descortinar a linguagem utilizada para clarificar e conceituar esse diálogo, pois que o diálogo, a conversação e a linguagem são inseparáveis da política. Quando se separam, a política degenera em monólogo opressor e opressivo.

3.3.1 As causas


Tem-se que o Republicanismo se habilita a participar de todas as causas que, hodiernamente, se põem em relevo na sociedade. E isto, usando-se apenas e tão somente de seu ideal de liberdade como não-dominação. Assim, é o Republicanismo linguagem política apta a dialogar com os ambientalistas, com o feminismo, o socialismo e o multiculturalismo, já que defensor de uma sociedade pluralista, capaz de alcançar os princípios básicos de justiça através do consenso sobreposto, em equilíbrio reflexivo.
Porém, não participa do debate e do diálogo de maneira acrítica, tornando-se delas refém. Republicanizar causas latentes na sociedade significa, certamente, prestar-lhes validade e validez, mas, e não menos importante, significa validá-las no marco da lógica republicana e não mais além disso.

3.1 As Políticas


Segundo Pettit (1999), como filosofia consequencialista que é, o republicanismo não é dogmático, nem doutrinário. Oferece um programa apto a desenvolver políticas, mas não um manual de instruções. Admite que deve haver uma divisão de trabalho investigativo e que, a partir de determinado ponto, o teórico político deve ceder lugar aos juristas e a outros expertos.
Sendo os republicanos apreciadores da não-dominação, diferirão relevantemente dos que defendem a não-interferência estatal, não ao ponto defendido pelos comunitaristas. Implica dizer: os republicanos são menos céticos ante à possibilidade de intervenção estatal, sendo favoráveis a uma intervenção que remedeie os desníveis sociais, quando flagrantemente insustentáveis. Seu menor ceticismo provém do fato de que o Estado, sempre que sua ação esteja convenientemente restringida, não é uma forma de dominação, podendo ser instrumento para ampliação da não-dominação.
Destarte, todas as políticas inerentes a um governo, seja a tributação, seja a defesa exterior, a segurança interna, a autonomia dos indivíduos, a prosperidade econômica, a vida pública (a ação arendtiana), encontram no republicanismo sua fonte e se tornam capazes de intensificar a não-dominação num contexto estatal.

4 As Formas Republicanas: Constitucionalismo e Democracia


Há que se criar e manter formas de estado que impeçam ao mesmo converter-se em agente de dominação. Os organismos estatais, inclusive quando republicanos, interferem sistematicamente na vida das pessoas: impõem leis, administram-nas e aplicam sanções. Se se permite que estas interferências sejam arbitrárias, o Estado mesmo será fonte de iliberdade.
Por isso, é necessário que existam, no Estado, instituições defendidas já pelos primeiros teóricos republicanos: o império da lei, a separação dos poderes, a prestação transparente de contas e outros mecanismos impeditivos da dominação.

4.1 Constitucionalismo e Não-manipulação


A Constituição de um estado Republicano deve levar em conta a não-manipulação. Diga-se: os instrumentos à disposição do Estado não podem ser manipulados pelo agente estatal. Sendo o Estado desenhado para a promoção de certos bens públicos, deve ser impedido de usar meios arbitrários para atingir seus fins.
Um sistema não-manipulável, segundo Pettit (1999), deve satisfazer três condições: 1) que o sistema constitua um império das leis e não de homens; 2) que disperse os poderes entre diversos atores e órgãos; 3) que mantenha a lei relativamente resistente à vontade da maioria. Desse modo, o império da lei lida com o conteúdo legislativo, a dispersão, com o funcionamento das leis; e a condição contra majoritária, com os modos legítimos de se alterar a lei de um Estado.

O império da lei exige que as leis sejam universais, aplicando-se a todos, inclusive aos legisladores. Exige ainda que sejam promulgadas e dadas a conhecer com antecedência, sendo racionais, consistentes e não sujeitas a mudanças constantes.
Entretanto, a defesa do império das leis não é, necessariamente, a defesa do império dos códigos, não tendo porque comprometer-se com um procedimentalismo extremo e vazio. O império da lei requer agentes estatais permanentemente atuando em conformidade com a lei e com sua discricionariedade balizada pelos limites procedimentais impostos pelo legislador.

A concentração de poderes nas mãos de um só ou de alguns permite que a arbitrariedade tome o centro das decisões estatais. Hamilton (1984, p. 303) afirma que “a acumulação dos poderes legislativo, executivo e judicial nas mesmas mãos, de um, de poucos, de muitos; ou hereditário, pela força ou eletivo, merece a justo título converter-se na definição de tirania”.
Para a efetiva dispersão do poder é necessária a repartição das funções estatais em, pelo menos, três centros de exercício do Poder; Legislativo, Judiciário e Executivo. É ainda necessário que o poder esteja disperso em cada agente ou órgão de cada Centro Funcional, evitando-se a dominação de uns sobre os outros.

Um sistema constitucional não-manipulável tem que garantir que as leis, a dispersão do poder e – principalmente – garantir que as leis não sejam mudadas a todo tempo, ao sabor das maiorias. Toda lei deve ser passível de sofrer modificações, já que não há segurança de que essa lei será boa para sempre. Entretanto, a condição contra majoritária prevê que, para certas leis básicas, o mecanismo de modificação seja mais exigente, tornando mais difícil quaisquer modificações.
O argumento republicano é que as maiorias são volúveis, formam-se com facilidade e podem exercer poder arbitrário se não forem restringidas as possibilidades. Outro enfoque é que todos os cidadãos, em algum momento, pertencem a uma das tantas minorias existentes numa sociedade pluralista, o que indica que ninguém queira estar sob o poder arbitrário da maioria de plantão.